Premiado em Gramado, ‘O roubo da taça’ aposta no absurdo de trama real
Por Redação Publicado 8 de setembro de 2016 às 12:20

Comédia de Caito Ortiz dramatiza roubo da Jules Rimet, nos anos 1980

RIO — A rocambolesca história por trás do roubo da taça Jules Rimet, ocorrido em 1983, na sede da CBF, no Centro do Rio, tem ingredientes suficientes para um suspense policial ou um thriller de ação. Tanto que, quando o diretor Caito Ortiz mostrou a Fernando Meirelles (“Cidade de Deus”, 2002) o seu filme “O roubo da taça”, que estreia nesta quinta-feira (leia a crítica e veja as sessões), ouviu uma ressalva:

— Ele gostou, mas disse que o gênero (comédia) talvez não fosse o ideal — lembra Ortiz.

— Foi um comentário de bate-pronto — ameniza Meirelles. — A trama toda é tão absurda que, mesmo se fosse tratada como suspense ou policial, traria humor junto.

O foco no tom cômico agradou, a julgar pelas reações em Gramado, de onde o longa saiu, na semana passada, com os Kikitos de fotografia, direção de arte, roteiro e ator (Paulo Tiefenthaler). Em março, conquistou o prêmio do público no South by Southwest (SXSW), em Austin, no Texas.

O longa vai direto ao ponto: a cena inicial retrata o roubo da taça em questão, entregue ao Brasil após a Copa do Mundo de 1970, quando a seleção conquistou o tricampeonato. Os ladrões, liderados por Peralta (Tiefenthaler), um corretor de seguros endividado, invadem o prédio na Rua da Alfândega, 70, e arrombam o armário de vidro blindado em que se encontra a réplica da taça (mais tarde, descobrem que se trata, na verdade, do troféu original). Não sem antes usar o banheiro da instituição, “para dar sorte”.

É o primeiro de uma sucessão de episódios absurdos — e não necessariamente calcados na realidade. Já na cozinha de sua casa, de cueca vermelha, Peralta bebe achocolatado na Jules Rimet, fascinado pelo sucesso do crime. Ao menos até então, já que o roubo acaba virando notícia global, com direito a população revoltada e mobilização até do Exército para encontrar o “orgulho nacional”.

— Cresci assistindo a comédias italianas, então quis explorar esse mundo de gente louca tentando acertar. E a história real já é deprimentemente engraçada. Não foi porque queríamos fazer bilheteria — afirma Caito Ortiz, referindo-se ao sucesso de comédias comerciais. — Elas têm seu espaço, mas sentia falta de mais inteligência. Sempre acreditamos em fazer uma comédia cinematográfica, e não televisiva. Vou parecer um arrogante falando assim, né? Ah, dane-se.

A atuação de Tiefenthaler, mais conhecido pelo programa “Larica total”, do Canal Brasil, foi um dos pontos mais elogiados do filme. Morador do Santo Cristo, o personagem é o típico malandro carioca. Sua primeira aparição acontece num hospital, doando sangue — só para matar o trabalho. Com uma dívida contraída por causa do vício em jogos, ele tem a ideia de roubar a taça e vendê-la a um comprador de ouro.

Mas, no começo, a escalação de Tiefenthaler não foi unanimidade. Investidores queriam um rosto mais conhecido. Ortiz conta que uma distribuidora chegou a desistir do projeto. Mas o diretor não abriu mão do ator, de quem é amigo há duas décadas. Para compor o personagem, Tiefenthaler diz ter se inspirado nos “muitos Peraltas” que conheceu na vida. A ideia de interpretar um “personagem bem carioca” lhe pareceu “uma delícia”. Mas a sua familiaridade com a história foi o que realmente chamou a sua atenção quando leu o roteiro.

— Eu tinha 15 anos na época do roubo, era um flamenguista roxo. Já tínhamos perdido a Copa em 1978 (a Argentina foi a campeã mundial), e o cara vai lá e rouba justamente a nossa taça? Como pode? — irrita-se Tiefenthaler.

Taís Araújo, que interpreta Dolores, mulher de Peralta, diz que parte essencial do trabalho foi buscar referências dos anos 1980 e levá-las ao set. No seu caso, tentou se espelhar na atriz Adele Fátima para construir os trejeitos da personagem. Ela descobre o crime do marido e fica revoltada (“Tá todo mundo atrás dessa merda, o Cid Moreira não para de falar dessa porra na televisão”, alerta). Mas logo se torna peça fundamental no esquema para negociar a venda da taça.

— Fiquei tão encantada com o roteiro que decidi adiar minha gravidez — conta Taís. — Então coloquei o DIU. Mas aí veio o segundo tratamento (do roteiro), e não achei o personagem tão bom. Mudei de ideia e engravidei. Só que o tratamento final chegou, e a personagem voltou a ser incrível. Implorei pro Caito esperar. Ele realmente atrasou as filmagens por causa disso.

Fonte: O GLobo