Oberdan atuou ao lado de Carlos Alberto por quase uma década no inesquecível Santos de Pelé, Coutinho e Pepe; ex-zagueiro recorda a personalidade do capitão
O inesquecível esquadrão do Santos, que marcou época no futebol nas décadas de 50 e 60, teve em Zito a sua voz de liderança. Conhecido como “o Gerente”, ele comandava a gloriosa geração de Pelé, Coutinho e Pepe. Entre tantas conquistas, o Peixe, no período, ergueu o bicampeonato mundial (em 1962 e 1963) sobre o Benfica e Milan. Dois anos mais tarde, em 1965, Carlos Alberto Torres, que faleceu na última terça-feira – vítima de um infarte fulminante -, desembarcou na Vila “mais famosa do mundo” para, em pouco tempo, assumir o posto.
Do “Gerente” para o “Capita”, o Santos manteria sua força não somente no cenário brasileiro, mas também pelo mundo afora. Quem recorda essa história e a traz viva na memória dos tempos áureos do Alvinegro Praiano é Oberdan Vilain. O zagueiro, de porte atlético e grande impulsão, acostumou-se a empilhar conquistas entre 1965 e 1975, quando vestiu a camisa santista. E, claro, a lidar com as lideranças de Zito e, principalmente, Carlos Alberto Torres, com quem jogou lado a lado por quase uma década.
– Ele com o porte dele, com a categoria que tinha, eu o admirava muito. Na época, tínhamos o Mauro e eu de zagueiro. Eu passei a jogar de central para poder jogar no lado do Carlos Alberto. Nós dividíamos quarto e conversávamos muito, ele me dava muitos conselhos. Ele dizia: “Estou te dando bronca, mas é para o teu bem” – conta Oberdan Vilain, natural de Florianópolis e que reside em Santa Catarina.
Até 1967 a voz de comando santista ecoava por Zito. Gritos de incentivo ao longo dos jogos, até mesmo quando as partidas estavam garantidas, era uma das marcas do ‘Gerente’. Dois anos antes, Carlos Alberto Torres, deixara as Laranjeiras e o Fluminense para integrar a equipe bicampeã mundial. Zito, em final de carreira, iniciava ali um processo de transição para uma nova liderança. Capita, então com 21 anos, estava prestes a ganhar os companheiros.
– Saiu o Zito. E quem assumiu tudo, a liderança, foi o Carlos Alberto – explica, Oberdan.
Por onde passava, o Santos de Pelé atraia multidões. Nas excursões pela Europa, África e Américas eram sempre rentáveis aos cofres do time paulista e repletas de ovações das arquibancadas. Quase imbatível, às vezes era preciso manter os pés no chão e, foi assim, que, com sua liderança nata, o lateral-direito de 1m82 e fôlego invejável, Carlos Alberto Torres entrou em cena. Oberdan Vilain foi peça da engrenagem santista que encantava o mundo.
– Ele sempre foi líder. Na hora de falar, antes dos jogos, a gente rezava e, nas excursões, falávamos muito sobre a família, que estava longe. E, muita vezes, ele (Carlos Alberto Torres) puxava as conversas para a gente ter o foco nos jogos, era difícil, era muito tempo longe. Muitas vezes, a gente não acreditava nos times africanos, principalmente. Às vezes, quando a gente via, estava perdendo o jogo e era ele quem acalmava o time – diz Oberdan.
Amizade liderada por Capita
Um dos segredos da magia daquele Santos, além, é claro, de todo o talento, estava na união dos jogadores. A amizade, no que conta o zagueiro catarinense, apelidado de “Alemão” – pelos cabelos loiros -, por Capita, imperava no grupo de atletas. À época, as viagens eram mais longas e a dificuldade em comunicar-se com familiares e amigos convergia em longas conversas em aviões, ônibus e hotéis. Com isso, o vínculo entre os jogadores era muito forte.
Oberdan recorda com carinho das características de personalidade de Carlos Alberto. A serenidade no momento dos conselhos, a imposição na hora de dar a bronca e também o largo sorriso no rosto na descontração.
– A gente ficava muito tempo juntos no quarto. Eu dividi o quarto com o Capita muitas vezes, a gente conversava muito, o futebol era diferente na época. Eram meses de viagens. Fora de campo ele (Carlos Alberto) era muito mais calmo. Nas nossas viagens de ônibus ele ficava lá na frente e não ia lá para trás, não. A gente tinha uma batucada, mas ele ficava mais reservado – fala.
Nem Pelé escapava das broncas
É, Capita poderia ser “reservado” e “calmo” em alguns momentos longe dos gramados. Porém, quando a bola rolava, a bronca, na hora em que ela tinha de ser distribuída, era para todos. Não tinha um que passava incólume, nem mesmo o Rei.
– O Carlos Alberto dentro do campo era outra pessoa, ele queria ganhar, como todos nós. Ele tinha uma ligação muito forte com todos nós, e a cobrança era muito grande. Ele cobrava até mesmo o Pelé, não tinha esse negócio, não. Era sem exageros, mas ele pegava com todo mundo. Ele nunca deu de dedo na cara de ninguém, era mais na imposição, mas ele distribuía bronca, falava no vestiário também, um por um. Ele me chamava de “Alemão”, lembro dele me chamando a atenção: “Vamos, Alemão! Vamos, lá! – recorda.
As brincadeiras também eram comuns nas viagens, entretanto, o respeito ao Capita imperava entre os atletas.
– Tinha aquelas brincadeiras, que o Pepe fazia com os jogadores. O Coutinho e o Pepe eram os mais palhaços, o Pepe fazia músicas para brincar com o pessoal. Era tapa na orelha, água na cabeça…pasta de dente no ouvido. Era até para não ficar um negócio muito sério, a gente curtia muito um com o outro. Só que com o Carlos Alberto não tinha isso, não, o pessoal respeitava.
E, para o ex-zagueiro, que atualmente é empresário na capital catarinense e acumula passagens gloriosas em Coritiba e Grêmio, além, claro, de Santos, o que estará vivo para sempre em sua memória será a liderança do amigo. Há pouco menos de 15 dias, os dois trocaram mensagens pelo celular. Capita o questionava quando seria a sua próxima ida ao Rio de Janeiro para uma visita. Oberdan, ocupado com a rotina, previa uma viagem para o começo de 2017. Porém, agora restam as boas recordações do companheiro e eterno capitão.
– Foi um baque muito grande. Eu mandava mensagem para ele sempre durante o programa em que ele participava. Tem uns 15 dias que ele pediu para eu ir para o Rio, ficar lá uns dias com ele. É uma tristeza muito grande. Aprendi muito com ele e eu confesso, nunca disse isso para ninguém, mas depois que ele saiu do Santos e quando (mais tarde, em 1975) quando voltei para o Coritiba, no fundo, no fundo, eu imitava o Carlos Alberto, pois eu também passei a ser um líder dentro de campo – relata.
Fonte: Ge