
UMA NOVA GERAÇÃO DE EMPRESÁRIOS QUER CONCILIAR RENTABILIDADE E JUSTIÇA SOCIAL, COMPETIÇÃO E ESPIRITUALIDADE, EFICIÊNCIA E BEM-ESTAR
O que faz de alguém um empreendedor consciente? Se há uma fórmula para tanto, ela nunca se revelou durante as pesquisas que resultaram no livro De Dentro para Fora. O que existe é, quase sempre, aquilo que Antônio Ermírio de Moraes Neto, fundador da Vox Capital, chama de “exemplos que arrastam”. Histórias de vida e de carreira inspiradoras o bastante para dar uma nova perspectiva ao desejo de criar e gerir negócios que despertam o “espírito animal” de jovens empreendedores. O próprio Antônio Neto crescera ouvindo as histórias de como seus célebres antepassados desenvolveram novas indústrias em vários segmentos diferentes. A saga de sua família é parte fundamental de sua formação e inspiração-chave para ele próprio criar novas indústrias.
Antônio conviveu com o avô, Antônio Ermírio de Moraes, uma figura incontornável dos negócios brasileiros na segunda metade do século 20, morto em agosto do ano passado. “É um monstro”, me disse ele, com reverência. O interessante é que, para Antônio, Ermírio sempre foi um empreendedor social, dado o seu envolvimento intenso com as áreas de saúde e educação. “Ver esse exemplo do meu avô, assistir a palestras junto com ele, ver as suas peças, isso tudo foi muito inspirador”, diz Antônio, que coloca Ermírio no seu Top 3 da inspiração empreendedora.
O avô famoso é, de longe, a grande influência. O segundo nome em seu ranking é José Ignacio Ávalos, fundador da Gente Nueva, na década de 80, no México. De início, ele criou o que era só um programa de doações. Depois, um projeto de nutrição, que começou a render receita extra à entidade. Ávalos iniciou, então, um programa de microcrédito que faria história.
Antônio trabalhou no escritório brasileiro da Gente Nueva enquanto cursava o terceiro ano do colegial. Foi só mais tarde, porém, ao atuar na Endeavor, a conhecida ONG de apoio ao empreendedorismo, que a terceira ficha caiu. Trabalhando com empreendedorismo, ele teve a inspiração de criar uma espécie de Endeavor para negócios que não apenas geram empregos e pagam impostos, mas cujos produtos (ou serviços) trazem benefícios diretos para a sociedade.
Foi nesse contexto que lá pelo meio do curso de administração de empresas Antônio e um punhado de colegas tomariam contato com o conceito inovador de “Setor 2,5”, um híbrido de ONG e empresa. Eles decidiram ir até a Índia e Bangladesh entrevistar líderes como o Nobel da Paz Muhammad Yunus e o oftalmologista Govindappa Venkataswamy, fundador do Aravind Eye Hospital, que, com um modelo de franquia inspirado no do McDonald’s, tornou-se o maior hospital oftalmológico do mundo, com quase 3 mil leitos, e reduziu o custo de operações de catarata e glaucoma dos US$ 2 mil usuais para algo entre zero e US$ 150. De volta ao Brasil, Antônio Neto fundaria a Vox Capital, primeiro fundo brasileiro focado em investimentos de alto impacto socioambiental. Do avô famoso à viagem pela Ásia, os exemplos o arrastaram.
Valor compartilhado
Se jovens líderes brasileiros, como Antônio Ermírio de Moraes Neto, vão até a Índia em busca de inspiração, Dhaval Chadha é um caso singular de jovem indiano que achou no Brasil a vocação para empreender com propósito social. Radicado no Rio de Janeiro, ele é fundador de duas organizações ímpares. Uma se chama Cria e implementa negócios de valor compartilhado para grandes empresas, como Coca-Cola, Tim e Whirlpool. A outra, chamada Pipa, é uma firma de investimentos em empresas na etapa inicial de desenvolvimento. A sua missão é acelerar os processos de crescimento de negócios de impacto social (ou ambiental) e investir em startups “que buscam construir um futuro onde todos ganham”, como diz o bordão da Pipa. Na prática, o seu trabalho consiste em formar empreendedores que procurem construir negócios de valor compartilhado em “disciplinas-chave”, como estratégia, marketing, tecnologia e branding. Seu processo envolve desde encontros com mentores a networking com parceiros, como o Google.
Se empreendedores como Antônio Neto e Dhaval Chadha se inspiram em pessoas e se revelam em lugares especiais, é provável que a tal fórmula para gerar empresários conscientes contenha ao menos três contribuições associadas a bons chefes: ser a inspiração, dar suporte e propor desafios. É provável, também, que esse tipo de mulher ou homem de negócios floresça apenas em ambientes seguros para a diversidade, as ideias, a inspiração e a criatividade. Dar a devida importância a “detalhes” como estes exige atenção plena ao momento – exatamente o que há por trás do conceito de mindfulness, um termo budista incorporado ao mundo dos negócios na última década. O capitalismo do Ocidente busca inspiração no Oriente por um bom motivo.
É claro que esse flerte com a espiritualidade ainda é visto com desconfiança nos meios empresariais mais ortodoxos. Como nota Tim Kastelle, um professor de negócios de Harvard, o conservadorismo na gestão é uma maneira de lidar com a aversão a perdas. “Se não corrermos o risco, poderemos muito bem fracassar, mas pelo menos fracassaremos convencionalmente”, afirma ele, num post em seu blog. A falsa sensação de segurança pela permanência em terreno conhecido tende a ser, porém, um obstáculo à inovação. “Para inovar com sucesso, temos de estar dispostos a ser esquisitos”, diz Kastelle. “Mais do que isso, se somos gestores ou estamos em posição de influenciar as pessoas, temos de parar de premiar o fracasso convencional.”
O conselho heterodoxo de Kastelle vale para aqueles que resistem a trocar hierarquias rígidas por ambientes com alto grau de autonomia. “Em um ambiente de comando e controle, você pode acompanhar de perto o que todo mundo está fazendo”, afirmam Ori Brafman e Rod Beckstrom em The Starfish and the Spider (“A estrela-do-mar e a aranha”), livro em que tratam do poder das organizações sem lideranças. “Mas ser observado e monitorado torna os funcionários menos dispostos a assumir riscos e inovar”, diz a dupla. Em empresas centralizadas, todo poder e conhecimento ficam concentrados na cúpula. Os profissionais no comando são, supostamente, aqueles que reúnem mais conhecimento e têm mais poder para tomar decisões. Em organizações descentralizadas, o poder e o conhecimento são distribuídos. Unidades individuais respondem bem rapidamente a uma multidão de forças, tanto internas quanto externas. Apenas para efeito de comparação, organizações centralizadas dependem mais da estrutura – e isso tende a torná-las mais rígidas.
Mais do que inovar com sucesso, os empreendedores conscientes cujas histórias conto em De Dentro para Fora buscam inovar com propósito. A inspiração para ser esquisito não raro vem de ícones. Em um artigo que escreveu para a revista Wired, Bill Gates se revelou obcecado por fertilizantes. “Hoje em dia”, disse o fundador da Microsoft, “trato de passar um bocado de tempo tentando acelerar a inovação que melhora a vida das pessoas da mesma maneira que o fertilizante fez”. Inovação que melhora a vida dos outros nada mais é que inovação consciente.
Na definição de Lourenço Bustani, cofundador de uma consultoria chamada Mandalah, inovação consciente é aquela que nasce do cruzamento entre o lucro e o propósito. E o oposto da inovação consciente é o novo pelo novo – uma tecnologia avançada que daqui a seis meses já estará obsoleta. Segundo essa lógica, um iPhone deve ou não ser considerado uma inovação consciente? “Em alguns sentidos, sim. Em alguns sentidos, não”, afirma Bustani. “No sentido do ‘empoderamento’ que dá às pessoas, do ponto de vista das novas comunicações entre elas, é uma inovação consciente.” Uma inovação que representa a convergência de diversas facetas da vida contemporânea – músicas, agendas, telefones, conectividade etc. – com conveniência, otimização do tempo e uma capacidade sem precedentes de armazenamento de informações.
“Já do ponto de vista do modelo de consumo desenfreado que estimula, ele não é uma inovação consciente”, diz Bustani. Nem do ponto de vista do modelo de liderança que esteve por trás da sua criação. Steve Jobs era visionário? Era. Foi uma pessoa que soube traduzir a sua intuição nas soluções tecnológicas que alteraram a maneira como a humanidade se relaciona? Sem dúvida. “Só que massacrou, humilhou e desmoralizou muita gente ao longo do caminho”, afirma Bustani. “Muitas decisões que ele tomou, muitas etapas da vida dele nas quais ele foi mais bem-sucedido, aconteceram em um contexto de alimentar e inflar o próprio ego. Não era uma energia amorosa, generosa, de servir ao outro.”
Bustani diz respeitar (mas não admirar) esse tipo de liderança. “Da mesma forma como não admito que, para prosperar, uma empresa tenha de destruir pessoas e o planeta, não admito que, para criar uma empresa como a Apple, um líder tenha de desonrar alguém da mesma espécie”, afirma. Afinal, inovação consciente é aquela na qual os produtos (ou serviços) vendidos são meios para atingir uma finalidade maior.
Como esse ideário se traduz em negócios para uma consultoria como a Mandalah? Um exemplo é um projeto que a empresa desenvolveu para o Sebrae de Minas Gerais, para apoiar inovação tecnológica numa comunidade de desenvolvedores de software que estava perdendo espaço para provedores de computação na nuvem. “Nós fizemos um mapeamento de todas as necessidades que temos como cidadãos dentro de contextos urbanos, como estacionamento e transporte público. Apresentamos aos desenvolvedores todas as oportunidades para inovação, de maneira que depois pudessem investir no desenvolvimento das tecnologias e aplicações em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte”, afirma Bustani. Inovação com propósito é isso.
Inspirados por ícones do passado, Antônio Neto, Dhaval Chadha e Lourenço Bustani se destacam hoje como membros de uma geração de renovadores da livre-iniciativa para quem a batalha por um mundo (capitalista) melhor é travada dentro das próprias empresas. Eles lutam para conciliar lucro e justiça social, competição e espiritualidade, eficiência e bem-estar. Não é atirando pedras que manifestam sua rebeldia. É transformando negócios. De dentro para fora.
Fonte: Época Negócios