‘Nós devemos ter o poder de controlar os carros autônomos, e não o contrário’
Por Redação Publicado 1 de dezembro de 2015 às 11:53

O professor holandês Jacques Terken defende que os usuários é que devem definir o comportamento dos revolucionários veículos robotizados

Os carros autônomos – aqueles veículos automáticos, que dirigem a si mesmo sem interferência do motorista, como os do Google – são uma das maiores revoluções da indústria automobilística mundial, conforme mostrado por ÉPOCA NEGÓCIOS em reportagem de capa na sua edição número 105, publicada em novembro. Nem todos, porém, se rendem tão facilmente à nova era. Um dos que mostram o outro lado dessa tecnologia é o holandês Jacques Terken, professor da universidade de Eindhoven, que estuda o comportamento dos motoristas no trânsito. Que fique claro: Terken não é contra os carros autônomos. No entanto, ele defende que os motoristas é que deveriam ter o poder de definir o comportamento desses carros, ao invés de deixar essa escolha apenas para as montadoras e para os governos

ual o problema apontado pelo senhor no desenvolvimento dos carros autônomos?
Jacques Terken: A tecnologia para os veículos autônomos está se desenvolvendo rapidamente. A questão é que, até agora, os desenvolvedores (fabricantes) é que estão decidindo como esses carros vão se comportar. Então podemos dizer que estamos criando robôs – sim, esses veículos são robôs – e devemos discutir sobre o comportamento desses robôs. A quem eles deveriam se adaptar? Nós a eles ou eles a nós? Afinal, no trânsito, as pessoas exibem diferentes comportamentos. Alguns são mais cuidadosos e alguns gostam de acelerar um pouco mais. Vou dar um exemplo: se eu tiver uma reunião em outra cidade e me atrasar, terei que acelerar para chegar a tempo. Mas o meu veículo só vai dirigir de um jeito cuidadoso, ou seja, lento. O sistema vai fazer com que eu me atrase para a reunião. Então a pergunta é: isso é aceitável? Provavelmente, não. Precisamos refletir sobre a questão da responsabilidade sobre o veículo.

O carro autônomo mais recente do Google não tem nem volante.
Basicamente, os veículos automatizados são robôs que agem em nosso nome e, portanto, nós é que devemos dizer a eles como se comportar. Pensemos na questão da polidez no trânsito, por exemplo. Digamos que eu esteja dirigindo e veja um pedestre: eu posso decidir se quero frear para ele ou não. Se estiver com pressa, eu posso decidir não ser educado e continuar em frente. Já se estiver chovendo muito, posso frear para que o pedestre se molhe menos. Hoje, essa decisão é minha. E eu digo que, na era dos carros autônomos, deveria continuar a ser nossa, e não passar para as mãos de uma montadora ou de um governo.

Que tipo de medida poderia ser tomada para trazer o controle de volta para os motoristas?
Poderíamos criar vários botões de comportamento para os carros, digamos. Poderíamos, por exemplo, ter botões para um modo esportivo, para um modo passeio, para um modo pressa… Toda uma gama de comportamentos que você poderia escolher.

Mas entregar esse controle ao motorista não eliminaria a grande vantagem dos robôs: a segurança que eles proporcionam?
Os carros automáticos podem reagir muito mais rapidamente que os seres humanos na maior parte das situações. Nossas reações são relativamente lentas, levamos um ou dois segundos para nos desviar de algo, enquanto os computadores fazem isso quase instantaneamente. Portanto, desligar o sistema autônomo torna a direção mais perigosa e elimina as vantagens do carro automático. Isso significa que devemos considerar quem terá a responsabilidade sobre o comportamento desses carros. A nova tecnologia automotiva precisa ser capaz de lidar com situações inesperadas. Esse é um problema que os carros autônomos terão que lidar no futuro.

É evidente que essa liberdade de escolha não deve ser total.  Nós não deveríamos guiar de um modo que pudesse matar outras pessoas e colocá-las em risco, como fazemos hoje. Todo dia pessoas são mortas no trânsito. Estou convencido que devemos manter nossa liberdade, mas dentro de certos limites. Deveríamos criar tecnologia que permitisse exatamente isso: fazer certas opções relativas ao modo de dirigir, mas não de forma que possa causar perigo aos outros.

Conciliar esse comportamento não é algo complicado?
Até agora, a ênfase das montadoras tem sido na questão da segurança. Esses veículos terão que ser certificados dentro das requisições de cada governo. Isso tudo tem levado a uma postura bastante cautelosa por parte dos desenvolvedores. Porém, ao desenvolver o carro para que ele seja extremamente cauteloso, o que vai acontecer é claro: o carro sempre vai parar para os outros. Assim,  pedestres, ciclistas e outros veículos vão tirar proveito disso. Eles vão pensar: “ok, este é um carro automático, ele vai esperar por mim”. Se o carro for programado para obedecer a certos comandos do motorista, para ser mais assertivo, aí as pessoas ficarão mais cuidadosas. Ou seja, dependendo das configurações, ele pode não parar. Então, é preciso criar uma forma de o carro ser assertivo e seguro ao mesmo tempo.

 Fonte: Época Negócios