MS é destaque no cenário nacional em depoimento especial
Começou na noite desta quinta-feira (26) um dos maiores e mais importantes eventos já realizados pela Coordenadoria da Infância e da Juventude de MS (CIJ): o Seminário sobre o Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes Vítimas ou Testemunhas de Violência, que visa discutir formas apropriadas e protetoras de se ouvir crianças e adolescentes, diminuindo a revitimização.
O Tribunal de Justiça de MS, por meio da CIJ, implantou em 2014 e difundiu o depoimento especial de crianças e adolescentes em processos judiciais, garantindo a esse público o direito de ser ouvido judicialmente de forma diferenciada. A técnica, muito difundida em países europeus, começou a ser utilizada no Brasil pela justiça do RS e está presente em Mato Grosso do Sul com uma sistemática que serve de modelo para os demais tribunais brasileiros.
No depoimento especial, as perguntas são feitas por técnicos capacitados, sendo a entrevista realizada por meio de perguntas que prestigiam a fala livre da criança e do adolescente, de modo a causar-lhe menos danos psicológicos e melhorar a qualidade na produção da prova.
Evita-se com isso que a criança e o adolescente vítimas de abuso, seja sexual ou não, sejam ouvidos de modo do sistema tradicional de Justiça, em que as inquirições são feitas em uma sala de audiência, com um ambiente intimidativo, na presença de diversas pessoas, tais como o juiz, o promotor, o defensor/advogado, o secretário de audiência e, por vezes, o próprio acusado, limitando que a criança e o adolescente expressem os fatos que aconteceram devido ao medo, o que gera, por vezes, a não punição do agressor por falta de provas suficientes.
Importante lembrar que em abril deste ano foi publicada a Lei nº 13.431, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, e regulamentou em âmbito nacional a escuta protegida, provando que a atuação do Poder Judiciário de MS, mais uma vez, é de vanguarda, tornando-se um dos primeiros estados da federação a desenvolver a técnica, cuja estrutura se tornou referência para o Brasil.
A juíza Katy Braun do Prado, coordenadora da CIJ, lembrou que neste momento se celebra a edição da lei que regulamenta o depoimento especial e garantiu que esse é a hora ideal para conhecer a alteração legislativa, articular a rede de proteção das localidades onde se vive e atua para, ao final, alcançar a proteção integral de crianças e adolescentes – alvo dos operadores do direito e do sistema de garantia de direitos.
“Temos altas expectativas para este evento e ficaremos juntos nesses dois dias, aprendendo um pouco mais, na esperança de que saiamos daqui capacitados e habilitados para nossos afazeres. Um agradecimento especial para o diretor-geral da Escola Judicial de MS (Ejud/MS) e ao diretor da Escola Superior do Ministério Público – parceiros essenciais para a realização desse evento”.
O Des. Julizar Barbosa Trindade, presidente em exercício do TJMS, prestigiou a abertura do seminário e destacou a relevância de eventos como esse. “Esperamos que todos aproveitem ao máximo as informações aqui difundidas porque o depoimento especial é uma prática muito útil por evitar a revitimização. Além disso, o depoimento especial, além de preservar o psicológico da testemunha ou vítima, também traz vantagens para o rito processual. Tenho certeza que todos irão apreciar os dois dias de seminário”.
O primeiro a falar foi o Des. José Antônio Daltoé Cezar, que proferiu aula magna com o tema O depoimento especial no Brasil. Conferencista nacional e internacional sobre os direitos da infância e da juventude, Daltoé é autor da obra Depoimento Sem Dano – Uma Alternativa Para Inquirir Crianças e Adolescentes nos Processos Judiciais.
O desembargador gaúcho implementou em Porto Alegre o Projeto Depoimento Sem Dano para inquirições judiciais de crianças e adolescentes vítimas de violência, possibilitando que o Conselho Nacional de Justiça editasse, em 2010, a Recomendação nº 33, orientando os tribunais brasileiros a adotarem a mesma metodologia, com o nome Depoimento Especial.
Daltoé apontou que os estados de RS e MS destacam-se no cenário nacional porque em 2018 devem implantar o depoimento especial em todas as comarcas onde ainda não se esteja utilizando essa forma de depoimento.
“Apesar de os tribunais estarem investindo em equipamento e capacitação, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Este é um tema presente, que está chamando a atenção da comunidade jurídica, pois foram os juízes da infância e juventude que trouxeram para o ordenamento jurídico esse sistema de proteção. O depoimento especial existe em várias partes do mundo, mas o único país onde começou no Judiciário foi no Brasil. Os outros começaram na polícia, na rede de proteção”, explicou.
Será que o fato de o depoimento especial ter começado no Judiciário é positivo? Daltoé acha que é esse um dos motivos de gerar tanta resistência, mas não credita isso como uma sensação de frustração. Para ele, discutir o tema, ter juízes estudando essa forma de depoimento faz parte dos bons resultados já alcançados.
“Os fatos relatados pela criança são dolorosos para ela e já que são dolorosos e geraram dano primário, precisamos evitar que, quando ela chegue ao sistema de justiça, outro dano seja gerado. O desafio é mudar uma cultura e isso vai levar algum tempo porque não estamos acostumados a olhar para as vítimas e principalmente vítimas crianças e adolescentes”, complementou o desembargador.
Mesmo depois de tanta informação disponível, será que existe resistência para implantar o depoimento especial? Daltoé garante que sim. “Bastante. Temos colegas no RS que têm salas de depoimento, equipe capacitada e não usa – continua ouvindo e, muito mal, da forma tradicional. Acredito e defendo que é mais fácil começarmos essa mudança com os novos juízes do que mudar o entendimento de pessoas que já estão há mais tempo atuando, que acham que podem fazer da melhor forma, mas têm resistência a mudar”.
Ao concluir, ele lembrou que a Lei nº 13.431 só entrará em vigor em 2018, porém a utilização do depoimento especial é irreversível. “Não sei quanto tempo levaremos para implantar como um todo, pois precisamos de uma geração que discuta o assunto nas faculdades, nos cursos de formação. O Brasil é enorme, com milhares de comarcas, e isso significa que a implantação não será de uma hora para outra. O depoimento especial é algo que está sendo incorporado a nossa cultura nos últimos anos”.
Saiba mais – Amanhã (27), os trabalhos duram todo o dia e recomeçam com o Des. Daltoé abordando a Lei nº 13.431/2017 – A Escuta Protegida e os Desafios do Sistema de Garantias. A mesa de debates será coordenada pelo juiz Mauro Nering Karloh, da Vara da Infância e Juventude de Campo Grande, e para debatedores foram convidados a Desa. Maria Isabel de Matos Rocha, do TJMS, o juiz Giuliano Máximo Martins, da comarca de Aquidauana, e o promotor Cláudio Rogério Ferreira Gomes, da 3ª Vara Criminal de Dourados.
A perita criminal Luiziana Souto Schaefer vem a seguir para falar das Consequências do Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes. Especialista em Psicologia Clínica e em Psicologia Jurídica, ela tem interesse na área de Psicologia, com ênfase em Ciências Forenses, Perícia Psicológica e Psicoterapia, atuando em trauma, violência e transtorno de estresse pós-traumático.
A coordenadora de Projetos da CIJ, Rosa Pires Aquino, será a coordenadora de mesa e estará acompanhada dos debatedores Viviane Vaz (psicanalista) e Daniela de Cássia Duarte, da ONG Movimento Mãe Águia.
O período da tarde começa com a palestra da promotora Tarcila Santos Teixeira, que atua na Promotoria de Justiça de Infrações Penais contra Crianças, Adolescentes e Idosos de Curitiba, e abordará o tema Produção Antecipada de Prova à Luz da Lei nº 13.431/2017.
O juiz Marcelo Ivo Oliveira, da 7ª Vara Criminal de Campo Grande, coordenará os trabalhos da mesa. Com ele estarão os promotores Luiz Antônio Freitas de Almeida e Henrique Cândia, além do delegado Paulo Sérgio Lauretto, titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Campo Grande como debatedores.
Gerente de Advocacy da Childhood Brasil e coordenador da pesquisa sobre escuta de crianças e adolescentes em processos judiciais, Itamar Batista Gonçalves encerra o seminário ao abordar o Protocolo do Depoimento Especial no Brasil.
Pós-graduado em Violência Doméstica contra crianças e adolescentes, ele dividirá a mesa dos trabalhos com a juíza Katy Braun do Prado, da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital e coordenadora da Infância e da Juventude de MS (CIJ), que responderá pela coordenação dos trabalhos.
Serão debatedores Doêmia Ignes Ceni, coordenadora de Articulações Interinstitucionais da CIJ/MS, e Marleci V. Hoffmeister, assessora técnica da Coordenadoria da Infância e Juventude do Rio Grande do Sul.
As palavras de encerramento serão do Des. Romero Osme Dias Lopes, Corregedor-Geral de Justiça de MS, e do diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público.
O evento está sendo transmitido ao vivo para todas as comarcas.