"Empresário precisa de mar aberto"
Por Redação Publicado 30 de julho de 2015 às 12:10

MÁRCIO KUMRUIAN, FUNDADOR E PRESIDENTE DA NETSHOES, FALA A TALLIS GOMES, CRIADOR DA EASY TAXI, SOBRE O FUTURO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO E DO EMPREENDEDORISMO NO BRASIL

A pesada chuva que caiu sobre São Paulo no fim de fevereiro dificultou a chegada do fundador da Easy Taxi, Tallis Gomes, à sede da Netshoes. Márcio Kumruiam, o fundador e CEO do site de comércio eletrônico,  não perdeu a chance de fazer piada com o convidado: “E olha que o cara tem uma startup de táxi…”. Se estivesse de táxi em vez de carro particular, Gomes poderia ter abreviado sua chegada (os táxis têm permissão de usar os corredores de ônibus em deteminados horários, em São Paulo). Mobilidade à parte, o que se viu nesse encontro foi um bate-papo descontraído sobre os desafios do comércio eletrônico, a mudança das plataformas de compras online e o empreendedorismo das duas partes. A empresa de Márcio nasceu num tempo de internet discada, dentro de uma garagem, e hoje fatura mais de R$ 1 bilhão. Gomes criou a Easy Taxi, que está presente em 35 países. De startup eles entendem.

Tallis Gomes  A Netshoes continuará a subsidiar a entrega para atender melhor o consumidor ou vocês cortaram essa prática para aumentar a margem de lucro?
Márcio Kumruian  O serviço faz parte do DNA da Netshoes. Desde o lançamento em 2002, acreditamos que a promessa feita ao consumidor tem de ser cumprida. O mercado reconhece a Netshoes como um dos melhores [níveis de serviço], o que para nós é obrigação. A Netshoes é a única até hoje a ter atendimento 24 por 7 humano, não robotizado. Não vamos abrir mão disso.

Tallis Gomes  Quanto o Brasil representa para a Netshoes? E a América Latina?
Márcio Kumruian  O site da Netshoes foi lançado entre 2001 e 2002. Argentina e México vieram em 2011. É injusto comparar. Hoje, a maior parte do nosso faturamento vem do Brasil, mas a América Latina vem crescendo a três dígitos a cada ano. No futuro, a operação vai ser bem relevante. Brasil, México e Argentina compõem mais de 80% do mercado de artigos esportivos na América Latina.

Tallis Gomes Vocês lançaram a Zattini, um site de venda de sapatos sociais, em dezembro. Já é uma operação relevante dentro da estratégia da Netshoes?
Márcio Kumruian  A Zattini nasceu porque acreditamos que a Netshoes tem de cuidar do estilo de vida do cliente. A gente conversou com consumidores e chegou à conclusão de que podia abrir outra loja, aproveitando tudo o que aprendemos com a Netshoes. A ideia é dar uma continuidade na vida do consumidor. Explico: se ele acordou, fez o esporte e já está pronto para trabalhar, agora vamos atuar no trabalho ou na festa dele. A gente se preocupa muito com bem-estar. A Zattini vem para complementar o estilo de vida dos nossos clientes. Como a Zattini nasce irmã da Netshoes usando a mesma infrestrutura, ela tem grandes chances de crescer muito rápido. A gente aposta que a Zattini, num curto espaço de tempo, possa figurar entre as top 3 do país no segmento de moda. Sapatos e tênis têm características muito parecidas. É o mesmo tipo de produto. A gente conhece cada número de calçado de nossos clientes. No ano passado, a Netshoes fez mais de 10 milhões de entregas de calçados esportivos.  A gente tem, portanto, 10 milhões de pés em que a Zattini pode se encaixar. Estamos aqui para subir no mercado de moda, que vale hoje R$ 50 bilhões no Brasil.

Tallis Gomes  Meu primeiro negócio começou aos 14 anos, quando eu imprimia ofertas do Mercado Livre e vendia como um catálogo. Fazia isso porque as pessoas tinham medo de usar o cartão de crédito na internet. Ainda é um problema?
Márcio Kumruian  Não é mais um problema. Cartão de crédito hoje é acima de 70% [das vendas da Netshoes]. No Brasil, a penetração de cartão de crédito ainda não é a ideal, como a dos Estados Unidos. Mas isso é uma boa notícia. Culturalmente, a nova geração já nasce sem esse medo. Vejo como oportunidade.

Tallis Gomes  Como você descreveria a cultura da Netshoes?
Márcio Kumruian  A transmissão da cultura nesses 15 anos tem sido meu maior desafio. A Netshoes, em 2009, tinha 150 colaboradores. Hoje, são mais de 2 mil. É um tempo muito curto para você ter tanta gente trabalhando no time. Hoje, conto com a área de Recursos Humanos como um braço importante, já que ela está diretamente ligada a mim. Essa ligação é para que a cultura não morra.

Tallis Gomes  O que tira o seu sono hoje?
Márcio Kumruian  Por enquanto só meus filhos gêmeos [risos]. Quando é um, a mulher acorda e você dorme. Como são dois, é choro em dobro. Nada, nos negócios, me tira o sono. Você precisa dormir bem para acordar com muita energia no dia seguinte. Óbvio que temos preocupações. Nascemos dentro de uma garagem e ainda temos sonhos para cumprir.

Tallis Gomes  Quais são os grandes desafios para inovar no e-commerce no Brasil nos próximos três anos?
Márcio Kumruian  Alguns são secretos, mas vejo como o primeiro grande desafio a venda de confecção. Para vender calçado, a gente tem uma ferramenta 3D que compara seu calçado atual com o novo que você está comprando. Mas a venda de confecção, principalmente num país em que as medidas não são parametrizadas, é difícil. O G não é G e o 42 não é 42 para todo mundo. Estamos trabalhando muito com as associações da indústria têxtil para tentar resolver isso. Outro grande desafio é passar do desktop para o mobile. É muito difícil para um time acostumado com uma página inicial de 19 polegadas ir para uma telinha pequena. É um grande desafio para o e-commerce e gera um trabalho de personalização e entendimento do cliente, já que o espaço vem se reduzindo.

Tallis Gomes  Como é o processo de produção das marcas próprias da Netshoes?
Márcio Kumruian  Lançamos duas marcas próprias recentemente. Temos uma chamada All4One, que vem com uma única plataforma para todos os wearables [equipamentos vestíveis] disponíveis. Com isso, a gente conseguiu ter wearables a um terço do preço, porque a Netshoes participa de todo o desenvolvimento e tem uma plataforma conectando todos. Você consegue ver seu peso na balança, sua corrida e seu batimento cardíaco. É uma pulseirinha, um monitor cardíaco, uma balança de bioimpedância, sem os preços absurdos praticados aqui no Brasil. A outra marca, a GoNew, de camisetas e tênis, vem para suprir algumas falhas de grandes marcas [para classes emergentes].

Tallis Gomes  Na posição de empresário, não tem como não falar do atual momento desastroso da economia. Há movimentos bem confusos do governo. Nesse cenário, como você pretende manter o crescimento da Netshoes?
Márcio Kumruian  Você é mais novo que eu. O Brasil já passou por vários planos, por muitas oscilações. Empresário precisa de mar aberto. Espero que o segundo mandato da Dilma dê visibilidade [aos empresários], coisa que a gente não tem hoje. O governo precisa dar um plano claro para os próximos cinco anos, nem que o plano doa. Vai precisar reduzir aqui e ali e esse ano não vai ter crescimento? Ok, mas precisa dar visibilidade [no longo prazo]. Os empresários precisam participar. Hoje, o diálogo não existe. Tem muita coisa a ser desenvolvida no Brasil ainda. Precisamos de estabilidade econômica e política. Simplifica a nossa vida e deixa a gente trabalhar.

Época NEGÓCIOS  O que a trajetória da Easy Taxi pode ensinar ao Márcio? E o que a trajetória da Netshoes pode ensinar ao Tallis?
Tallis Gomes  Resiliência. O Márcio começou num país em que a internet ainda era discada e quase ninguém comprava online. Ele já enxergava lá atrás o que está acontecendo hoje no Brasil.
Márcio Kumruian  O que mais me chamou a atenção na Easy Taxi foi o tiro muito forte. Ela nasceu simples e estruturada no nicho dos taxistas, que era gigantesco, e explodiu de uma maneira tão rápida que não deu poder de reação para ninguém. Tento aplicar isso de vez em quando. A Netshoes precisa sempre estar à frente da concorrência. Você me perguntou com o que eu perco o sono. Perderei no dia em que a concorrência estiver fazendo coisas mais legais que eu. A Easy Taxi provou que é possível ter uma grande penetração em tiros curtos, mas muito certeiros.

“O governo precisa adotar regras claras para os próximos cinco anos. Simplifica a nossa vida e deixa a gente trabalhar!”

Fonte: Época negócios