Devastação da indústria afeta mais os “menores”
Por Redação Publicado 10 de fevereiro de 2016 às 11:03

São companhias que têm poucas folgas financeiras, que dependem das operações e do mercado no país, ao contrário de empresas globais

Os dramáticos números de queda do PIB e, em particular, da recessão na indústria não expressam com todas as cores a situação real da indústria brasileira. As pequenas e médias indústrias são as grandes impactadas pela profunda crise em que vivemos.

Essa situação atinge a todos. Porém empresas médias e pequenas sofrem mais duramente do que as maiores. A queda na demanda tem um impacto profundo sobre elas. São companhias que têm poucas folgas financeiras, que dependem das operações e do mercado no país, ao contrário de empresas globais, e que têm poucos recursos gerenciais para lidar com transações financeiras e fugir dos juros extorsivos do momento buscando fontes de financiamento mais adequadas.

Muitas simplesmente estão fechando ou abandonando as atividades, ficando inativas. Isso nem sempre aparece nos números oficiais, porque a burocracia para fechar uma empresa é muito complexa. Essas empresas, ao contrário das maiores, não conseguem manter pessoal por muito tempo e são obrigadas a reduzir drasticamente as operações demitindo pessoas.

Um exemplo pode ilustrar essa situação. Uma empresa de autopeças fornecedora dos “sistemistas” instalada no ABC paulista está fechando as portas e transferindo uma pequena parte das operações para o sul de Minas Gerais. Chegando a quase 200 funcionários no período de pico, a companhia se orgulhava da capacidade de fornecer tanto para os sistemistas como até diretamente para as montadoras.

Hoje, porém, a empresa tem dificuldades não apenas por causa da queda do mercado, mas também pelos sérios problemas de relacionamento com sindicatos e com a justiça trabalhista, o que é reforçado pelos “advogados de porta de pequena indústria”, que, segundo o proprietário, oneram dramaticamente a companhia, pois teriam gerado uma máquina de indenizações mais produtiva do que as que ele utiliza para produzir peças e componentes.

Cansado, o empresário cortou, nesse último ano, três quartos das operações. Está transferindo apenas uma pequena parte da fábrica para novas instalações em busca de menores custos de mão de obra e de serviços de suporte, assim como melhores condições de vida pessoal e familiar.

Esse jovem empresário, com cerca de 30 anos, é egresso da escola do Senai de São Bernardo do Campo (SP), com ótima formação técnica e uma enorme vontade de produzir e crescer.
Não estudou engenharia ou outro curso universitário, mas a prática e a vontade de aprender continuamente lhe deram um conhecimento técnico fundamental para, segundo ele, lidar com engenheiros acomodados de multinacionais.

Nesta nova fase, está desenvolvendo novas estratégias comerciais. Por exemplo, realizar projetos para as grandes empresas que estão perdendo capacitação com a demissão de quadros técnicos e também procurando reduzir o número de clientes e de produtos, focalizando naqueles mais rentáveis.

Trata-se de um jovem empresário que não tem condições de manter os esforços para a manutenção de suas certificações de qualidade, perdendo alguns bons métodos e processos desenvolvidos. Não é mais capaz de investir na capacitação de seus colaboradores. E não teve condições de manter boa parte de seu pessoal qualificado.

Ele tem evitado pedir aos bancos que financiassem capital de giro e investimentos. As máquinas e equipamentos que ele não mais utiliza estão encaixotados e guardados até uma decisão posterior.

Não é aquele estereótipo de empresário que procura sugar a empresa, ostentando com barcos, automóveis caros, sítios, casas na praia etc. Ao contrário, todo o dinheiro que ganhou investiu na expansão e na melhoria da companhia, comprando máquinas mais modernas, melhorando os métodos, desenvolvendo o pessoal, desenvolvendo novos produtos etc.

Esse é apenas um exemplo. São milhares de situações parecidas em todo o país, onde empreendedores industriais buscam sobreviver heroicamente.

Ainda é difícil saber claramente o impacto dessa crise que se desenrola. Mas é triste ver que isso acontece. É um tremendo retrocesso para o país.

Após anos de crescimento e esforços de melhoria, o momento atual evidenciado pela queda superior a 8% de toda a indústria em 2015 – comdestaque para o setor automobilístico, com quase 30% de diminuição – gera danos profundos ao país. Foi o segundo ano de números negativos, atingindo praticamente todas as áreas. Os indicadores de alguns setores apontam um retorno a níveis de desempenho de uma década atrás. E pior: não sabemos ainda quantos anos mais teremos pela frente nessa situação.

Embora todos os setores industriais sofram, as grandes empresas têm muito mais condições de enfrentar e sobreviver a esse “tsunami”.

Por exemplo, na indústria automotiva, uma das mais afetadas pela recessão, cujo “coração” é composto por empresas globais, tanto as montadoras quanto os fornecedores de peças e componentes. Essas empresas estão presentes em muitos países e, portanto, acostumadas a lidar com situações difíceis em uma ou outra região. Têm recursos para aguentar a situação. Algumas até podem exportar um pouco mais, aproveitando a desvalorização do real.

Mas as pequenas e médias indústrias estão soltas à própria sorte. São empresas que estavam se desenvolvendo, mas que enfrentam agora um enorme obstáculo criado pela crise econômica, com grandes prejuízos para a sociedade.

É uma perda social enorme: não utilizar máquinas, equipamentos e instalações existentes, pessoas qualificadas dispostas a trabalhar sem ter o que fazer, conhecimentos perdidos, incapazes de serem utilizados na prática… são todas condições necessárias para gerar riquezas e desenvolver o país. Mas tudo isso está ocioso.

Por mais devastadores e dramáticos que esses fatos e números negativos possam ser, eles não mostram claramente a real dimensão da tragédia que se abate na sociedade. Quando focalizamos nosso olhar para enxergar mais especificamente as distintas empresas e unidades industriais, ou seja, a carne e o osso da economia – os locais onde efetivamente se agrega valor e se cria riqueza –, temos condições de sentir mais de perto o que os números e os indicadores macroeconômicos sugerem, mas não mostram claramente.

A devastação não atinge apenas a indústria. Basta ver o que está acontecendo com o comércio, com os milhares de estabelecimentos fechados nos últimos meses. Placas de “aluga-se” e “vende-se” estão visíveis por todos os lados para não deixarem os indicadores macroeconômicos falando sozinhos.

As festas de fim de ano ficaram para trás. O carnaval acabou. Está na hora de refletirmos seriamente sobre as graves consequências dessa profunda crise que estamos passando e que foi gerada por nos mesmos.

Matar a capacidade de produzir, agregar valor e gerar riqueza é muito grave. Um país que fica dependente da agricultura e que tem um setor financeiro dos mais rentáveis do mundo, mas com uma indústria local devastada, não tem muito futuro.

Fonte: Negócios