Debandada no PT/MS incluí até ex-presidente Antonio Biffi
Por André Farinha Publicado 16 de setembro de 2017 às 09:05
Ex-deputado Antonio Carlos Biffi deixou o PT após 28 anos

Debandada, palavra que no dicionário de Português significa ‘ação de debandar, de dispersar-se em desordem; a debandada de um exército’. O exército, no caso, são os petistas sul-mato-grossenses que, insatisfeitos com a atual administração da legenda no Estado, iniciaram um movimento de desfiliação em massa. São quase 400 integrantes que entraram com pedido de desfiliação apenas nesta última semana.

Entre esses está o ex-presidente do Partido dos Trabalhadores em Mato Grosso do Sul (PT/MS), Antonio Carlos Biffi. O PT vive no Estado a sua maior crise. Além dos problemas internos, com rachas e discórdias entre lideranças, a legenda também enfrenta dificuldade financeira, com funcionários reduzidos pela metade e sem receber o salário em dia, e ainda têm os processos trabalhistas daqueles que foram demitidos.

Em carta divulgada, Biffi e os demais integrantes que entraram com o pedido de desfiliação deixam claro que o principal motivo é a postura do atual presidente estadual, deputado federal Zeca do PT. “Zeca toma atitudes que desrespeitam os princípios do PT e não busca diálogo com as forças internas, exercendo uma política medíocre no comando da legenda. As pessoas que saem hoje querem continuar construindo projeto político coletivo para uma sociedade justa e igual.”, cita logo no primeiro parágrafo.

Para eles, não tem como permanecer em um partido “em que o presidente promove demissão sumária no Diretório e não paga os direitos trabalhistas aos funcionários, contrariando a carta de princípios do partido.”. “Como permanecer, quando o presidente não dialoga com as forças internas e quer apenas impor suas vontades. O PT sempre foi o lugar em que se valorizou o debate e as diferenças de pensamento, mas em Mato Grosso do Sul não existe mais esse espaço democrático, lamentavelmente.”, complementa.

Biffi, em uma carta compartilhada na sua rede social, lembra que esteve junto ao PT nos momentos de glória e também nas dificuldades. Ao longo destes 28 anos de militância, foram oito eleições disputadas, sendo quatro para deputado estadual e quatro para deputado federal, além da passagem pelo comando estadual da sigla. O político diz ter presidido o PT/MS no “pior momento da sua história” e, nas últimas eleições, mesmo perdendo uma gama de prefeitos e vereadores que se desfiliaram, conseguiu fazer 40 vereadores em MS.

A ‘gota d’água’ para o ex-presidente do PT/MS foi o último processo interno, que culminou na eleição de Zeca para presidente. Biffi defendia a unidade, mas não houve consenso. “Entendo assim, que esgotei minha capacidade de diálogo interno e de construção positiva no Partido dos Trabalhadores. Não me sinto motivado a continuar numa luta de disputas internas que nos fez perder grandes companheiros ao longo de nossa caminhada partidária. Se não posso contribuir para o crescimento da legenda melhor me afastar. Não quero ser ponto de divergência e de disputa permanente, vendo que o PED [Processo de Eleição Direta] construiu um ponto hegemônico em torno do atual presidente.”, esclarece.

Sobre o seu futuro político, Biffi afirma que não deixará de ser um militante e que não irá seguir para partidos da Direita, como muitos ex-petistas fizeram nesses últimos anos. O ex-deputado ressalta que o momento agora é de reflexão. “Entendo que ainda não é o momento de deixar a política. Temos muitos desafios pela frente, como o combate ao governo golpista e suas reformas contra a classe trabalhadora e o golpe no povo brasileiro.”, comentou.

Veja a carta de Antonio Carlos Biffi na íntegra: 

Deixo o Partido dos Trabalhadores, mas não a luta por justiça social

Há 28 anos, depois de muita disputa, consegui a filiação ao PT, por entender ser o partido capaz de fazer a defesa da classe trabalhadora e de construir um novo projeto político para o Estado e para o Brasil. Disputei oito eleições, quatro para deputado estadual e quatro para deputado federal. Sempre na trincheira de luta pelos direitos dos trabalhadores, dos mais humildes e das minorias (índios, negros, estudantes, idosos).

Como militante ajudei a eleger nossas lideranças nas principais disputas que o partido fez, como a eleição e reeleição do governo estadual petista, ampliação das bancadas estadual e federal, cadeira no senado, além de ser o coordenador de campanha à Prefeitura da Capital em 1996. Em 12 anos de vida pública, enquanto deputado federal, deixei um legado limpo, de construção, sem trazer nenhum desgaste para o partido.

Enquanto deputado federal defendi, incondicionalmente, os governos de Lula e Dilma e honrei minha função pública, como um dos mais atuantes parlamentares de MS. Tenho orgulho de ter sido relator do Prouni, do Pronatec e do projeto que criou a UFGD em Dourados, bem como a reorganização dos institutos federais de educação profissional no Brasil, dez deles em Mato Grosso do Sul.

Participei ativamente na defesa dos projetos que melhoram a educação pública, como o Pró-infância, com a conquista de mais de 180 Centros de Educação Infantil para o estado; o Caminho da Escola, com centenas de ônibus escolares em todos os municípios sul-matogrossenses; o Ciência Sem Fronteira; aprovação do Piso Salarial dos Professores; a conquista dos 10% do PIB para educação brasileira e o PNE (Plano Nacional de Educação).

Presidi o Partido no pior momento de sua história, em que ocorreu a maior campanha midiática anti-PT desde a fundação da sigla, em 1980, e de ódio e difamação contra os petistas, jamais vista na história do Brasil; prisão e cassação do senador Delcidio do Amaral; impeachment da presidente Dilma Rousseff; avalanche de denúncias da operação Lava Jato, que levou à prisão o tesoureiro nacional João Vacari, além da condenação, e investigação no STF, de companheiros aqui do Estado.

Coordenei a campanha das eleições municipais, mesmo com a perda de muitos companheiros prefeitos para outras agremiações antes mesmo do pleito, além da redução pela metade dos vereadores que também deixaram o partido na busca de reeleições. Não conseguimos fazer um só prefeito, mas com muito esforço da militância elegemos 40 vereadores e vereadoras.

Busquei a reaproximação da direção com os militantes e os movimentos sociais, auxiliando na construção da Frente Brasil Popular MS, mas ainda não foi suficiente para alcançarmos a unidade que precisávamos para enfrentar a direita, que avança fortemente com suas medidas neoliberais, contra os mais pobres e a classe trabalhadora.

Internamente, as forças partidárias (mandatos) não se sensibilizaram com nosso apelo para que tivéssemos um processo de eleições diretas (PED) que apontasse o caminho da unidade, no qual a resposta de nossos mandatários foi apresentação de seis chapas para fazer a disputa interna. Defendi até o último instante a unidade e provei isso com a retirada do meu nome da disputa à presidência para apoiar o companheiro Zeca do PT.

Entendo assim, que esgotei minha capacidade de diálogo interno e de construção positiva no Partido dos Trabalhadores. Não me sinto motivado a continuar numa luta de disputas internas que nos fez perder grandes companheiros ao longo de nossa caminhada partidária. Se não posso contribuir para o crescimento da legenda melhor me afastar. Não quero ser ponto de divergência e de disputa permanente, vendo que o PED construiu um ponto hegemônico em torno do atual presidente.

As minhas convicções não mudam. Não me envergonho da minha carreira política nas fileiras do partido. Ao contrário, tenho orgulho de ter construído uma trajetória limpa, íntegra e de luta em favor dos trabalhadores de meu estado e do Brasil, sem nunca ter desrespeitado o Estatuto do partido. São princípios inerentes ao meu perfil político, que carregarei comigo onde estiver.

Deixar o PT não é algo para se comemorar, mas um momento de reflexão, que deveria servir de alerta às lideranças que buscam o fortalecimento da sigla no Estado. Entendo que ainda não é o momento de deixar a política. Temos muitos desafios pela frente, como o combate ao governo golpista e suas reformas contra a classe trabalhadora e o golpe no povo brasileiro. Quero agradecer aos militantes e aos companheiros e companheiras que estiveram conosco nesta marcha. Não abro mão da luta socialista por uma sociedade justa e inclusiva.

Campo Grande (MS), 15 de setembro de 2017

Antonio Carlos Biffi
Ex-deputado federal