Cantora diz que só pensa em música e revela suposta perseguição da imprensa francesa
PARIS — A franco-italiana Carla Bruni, 47 anos, é um rosto conhecido como modelo e ícone de marcas de luxo, mas é também a voz de uma cantora e compositora de sucesso. A música-título de seu álbum de estreia, “Quelqu’un m’a dit”, lançado em 2002, foi cantarolada pelos quatro cantos do planeta. E sua aventura musical consolidou-se em uma confirmada carreira, só interrompida quando assumiu o papel de primeira-dama da França, entre 2007 e 2012, como mulher do então presidente Nicolas Sarkozy. Com quatro discos gravados — e mais dois em preparação — e muitas milhas percorridas em turnês internacionais, a “otimista melancólica” Carla Bruni, como se autodefine, bastante crítica da imagem que faz dela a mídia francesa, apresenta-se este mês pela primeira vez no Brasil, em Porto Alegre (no próximo dia 24) e em São Paulo (26).
O país possui um significado especial para ela, por razões musicais e sentimentais. Aos 28 anos, descobriu a existência de seu pai biológico, Maurizio Remmert, que vive há quase 40 anos no Brasil. Além disso, Carla sempre se sentiu atraída pelos ritmos brasileiros, principalmente a bossa nova. Para uma ilha deserta, diz sem hesitar que levaria canções como “Águas de março”, interpretada por Tom Jobim e Elis Regina, ou “Samba em prelúdio”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell. A primeira delas, aliás, na versão francesa de Georges Moustaki (1934-2013), poderá ser uma das surpresas de seus shows no Brasil — ao lado do tecladista Cyril Barbessol e do guitarrista Taofik Farah —, balizados em seu mais recente CD, “Little French songs” (2013), de 11 títulos intimistas cantados em francês, inglês e italiano.
— Espero preparar algo especial para o público brasileiro. Moustaki fez uma linda versão de “Águas de março”, um belo texto, que adoro. É mais fácil para mim cantar em francês, em português já é mais complicado. Pode ser uma opção — diz por telefone de Murtoli, no Sul da Córsega, onde passa os últimos dias de férias em família.
PAI E MARIDO PRESENTES
No Brasil, o pai estará presente na plateia, assim como o marido, que decidiu acompanhá-la na viagem, e que também é, segundo ela, um bom conselheiro em turnês:
— Ele não entra nos detalhes musicais, mas faz observações muito boas sobre o resto, a performance, a ordem das músicas. É um melômano, apaixonado por música. Sua preferência é pela canção francesa. Já eu sou mais aberta a tudo, escuto de The Clash a Chopin. Mais recentemente, tenho curtido muito Christine and The Queens e Stromae, eles possuem um frescor, uma força nova.
Sua vivência no palco ela prefere reservar para os outros: não gosta de ver a si mesma em DVDs ou na TV, para evitar decepções. “Não sei de onde vem esta minha necessidade de reconhecimento, talvez por ser uma bastarda”, disse certa vez em uma entrevista.
— Não me incomoda ser filmada, ao contrário, mas não gosto de me ver depois. Necessito de reconhecimento, mas num sentido mais amplo. Não se trata de aprovação, mas de consideração. O fato de dar prazer às pessoas com a minha música, disso eu gosto.
Sem medo da autoironia, ela já se definiu como “burguesa, energúmena, estrambólica, tímida, misantrópica e solitária”.
— Absolutamente — confirma ela. — Sou sobretudo solitária e misantrópica, completamente estrambólica, desordenada, e desde uma certa idade, um pouco menos tímida. Penso que a vida é progressiva. Mas sempre fui assim, e de qualquer forma, não podemos mudar o que somos. Pelo menos, não é algo fácil.
O músico francês Julien Clerc, seu amigo, acusou recentemente a mídia francesa de maltratá-la por razões políticas, devido ao casamento com Sarkozy, que ambiciona disputar novamente a presidência em 2017. De “ídolo da imprensa de esquerda”, Carla Bruni se tornou uma traidora após a oficialização de sua relação com Sarkozy, em 2008, denunciou Clerc.
— Ele gosta de mim e me defendeu. A mídia na França é integralmente socialista. Mesmo nos veículos que não são esquerda, os jornalistas de cultura são todos socialistas. Em outros países isso é algo mais equilibrado. Mas aqui na França todos apoiam a esquerda, mesmo na imprensa de direita. É uma corporação. É triste, porque acredito que há pessoas que adoram minha música, mas não ousam dizê-lo. Mas, no fim, o que conta é o público — desabafa.
Ela aponta, inclusive, um recorrente erro da mídia em relação aos números de vendas de seus álbuns, uma atitude, segundo ela, proposital por causa da tendência política de seu marido.
— No meu caso eles (os jornalistas) dizem sempre números equivocados, para tentar mostrar que eu não vendo. Estou muito contente, porque sou duas vezes disco de platina na França (200 mil cópias vendidas), e uma vez no exterior. Isso é algo certificado. Não se pode criar números, mas comigo, os jornalistas gostam de inventar para insinuar que sou ruim, porque me casei com meu marido. Disco de platina no mercado da música de hoje considero algo fantástico.
E sua crítica vai além de seu caso pessoal, o qual procura minimizar:
— São muito militantes, os pobres jornalistas franceses. Lamento que desde que os socialistas estão no poder eles não façam mais seu trabalho. E a mídia é um contrapoder fundamental para a democracia. Mas é assim, e na verdade não me importo. Tanto faz. Consigo fazer meu trabalho, e não tenho o perfil de vítima. Se meu problema é simplesmente as mentiras dos jornalistas franceses, não vou morrer por isso.
Os cinco anos passados no Palácio do Eliseu transformaram seu olhar em relação ao mundo do poder, mas ela assegura que um eventual retorno às vestes de primeira-dama não está entre suas primeiras preocupações.
— No momento, não penso muito nisso. Para mim, o mundo político não existe. Não sou muito politizada, não sou muito cidadã, o que me interessa é meu marido. Se ele faz política, eu me interesso. Se ele não faz, não me interessa a política. É simples assim (risos).
DOIS DISCOS NOVOS NO FORNO
Carla Bruni-Sarkozy não se mostrou indiferente aos elogios recebidos da ex-primeira-dama Valérie Trierweiler, que se separou de François Hollande após a revelação do romance do presidente com a atriz Julie Gayet. Trierweiler, que após a ruptura escreveu o livro “Merci pour ce moment” (“Obrigado por este momento”), afirmou que tudo o que sua antecessora havia lhe dito e aconselhado sobre sua experiência no palácio se revelou extremamente justo.
— Eu penso que ela escreveu o livro para colocar os pingos nos is. Nem todo mundo resiste ao ódio e à calúnia como eu. Não dou a mínima, é algo singular meu. Mas ela sofreu. Sinceramente, ela escreveu o livro para dizer a sua verdade, e ela tem razão. As pessoas falavam qualquer coisa sobre ela. É preciso se defender. Sobretudo quando seu homem não a defende — sustenta.
Em suas férias na Córsega, ela lê Albert Camus e a correspondência de Virginia Woolf, rabisca algumas canções, mas não descarta um dia, talvez, escrever também um livro.
— Uma ficção? Não sei. Talvez simplesmente vá escrever um livro sobre minha vida. Depois de todas as besteiras que já foram escritas sobre mim, escreverei as coisas verdadeiras.
Polêmicas à parte, ela está com dois novos álbuns em gestação, um de novas composições francesas e outro de canções americanas, que terá “antigos blues, country e algumas outras coisas”. Ela apreciou muito, por exemplo, o último disco de Bob Dylan, “Shadows in the night”, no qual são retomadas canções eternizadas na voz de Frank Sinatra.
— As pessoas dizem que ele não canta bem. Para mim, canta divinamente bem — opina.
Carla Bruni se diz uma “otimista nelancólica”.
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— Adoro a melancolia. Mas ainda assim sou uma otimista. A melancolia é geralmente o passado redesenhado, uma maneira muito suave de ser triste.
*Correspondente em Paris.
Fonte: O Globo