BC vê cenário econômico pior e indica que ciclo de elevações da Selic está perto do fim
Por Redação Publicado 6 de agosto de 2015 às 10:53

Ritmo mais acelerado da crise vai ajudar no controle da inflação. Projeção de reajuste de tarifas de energia neste ano sobe a 50,9%

BRASÍLIA – Apesar de perigos maiores para a inflação — com o reajuste de nada menos que 50,9% da conta de luz neste ano — o Banco Central reforçou sinais de que o ciclo de aumento dos juros básicos está perto do fim por causa dos efeitos da crise econômica maior que a esperada. A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada nesta quinta-feira, mostra que estão maiores as chances de o BC conseguir alcançar a meta de 4,5% para a inflação oficial no fim do ano que vem, já que, para 2015, cumprir essa tarefa é praticamente impossível.

Os diretores do BC ressaltam que o país vive um “processo de ajuste macroeconômico” e indicaram que está numa velocidade maior que a percebida na reunião do Copom anterior. O Copom também vê aceleração do desemprego. Antes, apenas indicava que alguns dados já apontavam uma distensão no mercado de trabalho.

“O Copom observa que a estreita margem de ociosidade no mercado de trabalho tem arrefecido, com dados confirmando a aceleração de um processo de distensão nesse mercado.”

Mesmo assim, a autoridade monetária deixou a porta aberta para novas altas, caso sejam necessárias.

“O Copom avalia que o cenário de convergência da inflação para 4,5% no final de 2016 tem se fortalecido. Para o comitê, os avanços alcançados no combate à inflação — a exemplo de sinais benignos vindos de indicadores de expectativas de médio e longo prazo — mostram que a estratégia de política monetária está na direção correta”, diz trecho da ata.

“Os riscos remanescentes para que as projeções de inflação do Copom atinjam com segurança o objetivo de 4,5% no final de 2016 são condizentes com o efeito defasado e cumulativo da ação de política monetária, mas exigem que a política monetária se mantenha vigilante em caso de desvios significativos das projeções de inflação em relação à meta”.

Para a cúpula da autoridade monetária, todo o ajuste feito até agora ainda terá efeitos sobre os preços. O início do aperto dos juros foi em outubro do ano passado. Dois dias após a reeleição da presidente Dilma Rousseff, a autoridade monetária fez o primeiro aumento da Selic, que estava em 11% ao ano. De lá para cá, foram sete altas consecutivas — cinco só em 2015 – até chegar ao patamar atual, estabelecido em reunião na semana passada: o maior desde agosto de 2006, quando também era de 14,25% ao ano.

CHOQUE NA OFERTA DE ALIMENTOS

Com o tarifaço na conta de luz, a projeção de alta dos preços administrados subiu de 12,7% para 14,8% em 2015. O aumento dos serviços públicos pesará mais na conta também em 2016. A estimativa para a inflação dos chamados preços administrados passou de 5,3% para 5,7%.

Além de pressão nos preços de serviços e de aumento de tarifa pública, o BC incluiu no pacote de riscos para a inflação choques temporários de oferta no segmento de alimentação e bebidas, que podem ocorrer neste ano.

As projeções do mercado mostram que a inflação medida pelo IPCA, índice oficial, deve chegar a 9,25% este ano, percentual que equivale a mais que o dobro do centro da meta que autoridade monetária tinha de cumprir em 2015, de 4,5%, com margem de tolerância de dois pontos percentuais.

O Banco Central avisou que só cumpriria a sua tarefa no ano que vem. No entanto, o mercado também não acredita. A previsão para o IPCA é de 5,4% em 2016.

FREIO MAIOR NA ECONOMIA

Para o BC, o comércio não dá sinalização de que vá melhorar nos próximos meses. A autarquia reafirmou que os investimentos minguam por causa de “eventos não econômicos” (como a Operação Lava-Jato e a crise política). E que o consumo tem diminuído numa velocidade maior por causa da queda do emprego e da renda e da desaceleração do crédito.

“Entretanto, para o Comitê, depois de um período necessário de ajustes, o ritmo de atividade tende a se intensificar, na medida em que a confiança de firmas e famílias se fortaleça”.

Mas os aumentos reais dados no passado ainda contribuem para aumentar as pressões inflacionárias. Recentemente, entretanto, o que tem alimentado o dragão são: aumento do dólar e o tarifaço. Uma das novidades da ata é que esses ingredientes tornaram os dados ruins “ao longo da primeira metade de 2015” e que os efeitos do arrocho monetário já teria surtido efeito.

“Ao tempo em que reconhece que esses ajustes de preços relativos têm impactos diretos sobre a inflação, o Comitê reafirma sua visão de que a política monetária pode, deve e está contendo os efeitos de segunda ordem deles decorrentes, para circunscrevê-los a 2015”, disse o documento, que completou: “O comitê entende que a manutenção desse patamar da taxa básica de juros, por período suficientemente prolongado, é necessária para a convergência da inflação para a meta no final de 2016”.

IMPACTO DE CORTE DE GASTOS PÚBLICOS

Depois de a equipe econômica admitir que não tem condições de cortar gastos como esperava e diminuir o ajuste nas contas públicas, o Banco Central teve de adaptar suas projeções para a economia e, consequentemente, para o impacto das despesas do governo na inflação. Afinal, quanto mais o governo economiza, mais ajuda o BC a controlar os preços porque coloca menos combustível no consumo do país.

Há duas semanas, o governo anunciou que fará uma economia de apenas 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB) para pagar juros da dívida pública. A meta do chamado superávit primário era bem maior: 1,1% do PIB. A meta era considerada tão irreal, que nem mesmo o Banco Central trabalhava com ela. Ele usava um cálculo alternativo, que leva em consideração outras variáveis como o andamento da economia.

Agora, o Copom diz que leva em consideração o que foi anunciado. Na ata, substitui o texto que dizia que trabalhava com a sua própria expectativa para o desempenho fiscal por um que diz que usa a meta anunciada. E ressalta que, por mais que o ajuste seja menor, a recessão pode ajudar a equipe econômica porque fará parte do trabalho de conter o consumo.

“O comitê pondera que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade e não descarta a hipótese de migração para a zona de contenção, mesmo que com menor intensidade. Porém, as novas trajetórias para as variáveis fiscais afetaram as expectativas e os preços de ativos. Nesse sentido, o Comitê nota que alterações significativas na trajetória de geração de superavit primários impactam as hipóteses de trabalho contempladas nas projeções de inflação e podem contribuir para criar uma percepção menos positiva sobre o ambiente macroeconômico no médio e no longo prazo”.

PARA ANALISTA, ATA MAIS FORTE QUE O ESPERADO

A comunicação do Banco Central — ponto de maior reclamação dos analistas — foi novamente criticada. Para o economista-chefe do Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos, a ata do Copom foi mais forte do que a esperada. No entanto, não foi muito clara e “em algumas partes do texto um pouco contraditório” como na explicação de que o aumento do desemprego e a política fiscal contribuem para o combate da inflação. Por outro lado, diz que os salários ainda pressionam os preços e que a o superávit primário menor pode ter um impacto também menor.

Além dos sinais truncados, Ramos alerta principalmente para a possibilidade de o BC não conseguir cumprir seu compromisso. Ele destaca o fato de o Copom dizer que a inflação projetada para o ano que vem com os preceitos de Selic em 13,75% ao ano e dólar em R$ 3,25 ficou estável desde a reunião de junho e, portanto, acima da meta de 4,5%. Para o analista, o cenário será pior porque o dólar deve fechar o ano acima desse patamar, o que pressiona o preço de importados.

“Projetada para o fim do ano de 2016, a inflação ainda está acima da meta, o que parece contradizer e minar a ideia que a manutenção da taxa no nível atual por um período suficientemente prolongado de tempo é necessária para a convergência para a meta. Provavelmente, um nível mais alto seria necessário para a convergência para o final do ano de 2016, mas o nível atual é, talvez, suficiente para a convergência, em algum momento em 2017, o que seria razoável e aceitável, dada a condição atual da economia e o pano de fundo político e institucional e tendo em conta o ponto de inflação acima de 9%em 2015”, frisou o economista em comunicado divulgado ao mercado.
DIRETOR REVELOU VOTO ANTES

A reunião da semana passada teve um componente extra de tensão. O diretor de Assuntos Internacionais do BC, Tony Volpon, que teria antecipado a analistas de mercado e à imprensa seu voto, não participou da votação.

Ele decidiu se abster para evitar possíveis prejuízos à imagem do Banco Central numa “decisão em caráter pessoal e irretratável”, conforme justificou o diretor em comunicado dirigido ao presidente do banco, Alexandre Tombini, antes do início da reunião.

“Os membros do Comitê compreenderam a decisão. Em reunião extraordinária realizada em 28 de julho, a Diretoria Colegiada já havia acolhido os esclarecimentos quanto ao teor de recente declaração pública de Volpon”, diz ainda a nota do BC.