Chefe global de pesquisa e desenvolvimento da 3M sobre inovação como uma “buzzword”, a relevância do Brasil na estratégia global e a ascensão de executivos indianos a altos cargos nos Estados Unidos
Ashish Khandpur comanda uma das máquinas de inovação mais longevas e copiadas do mundo dos negócios: a centenária 3M. Nos 114 anos de atuação da empresa, seus laboratórios, hoje sob a batuta de Khandpur, já criaram produtos usados por milhões de pessoas ao redor do mundo diariamente, como o Post-it e a fita adesiva (conhecida popularmente no Brasil como durex).
A situação que Khandpur encontrou, desde que assumiu a posição de sênior vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento e Chief Technology Officer (CTO), em julho de 2014, precisa muito de inovações do tipo. A realidade que o indiano deve enfrentar não comporta o saudosismo de invenções passadas.
O crescimento da 3M está desacelerando, fruto tanto da crise que atinge alguns dos países onde estão umas das maiores operações da empresa (como o Brasil, por exemplo) quanto da valorização do dólar no cenário estrangeiro. Como 60% das vendas da 3M são feitas em outras moedas, quanto mais o dólar se fortalece menor fica a receita da companhia pelo mundo.
Frente ao cenário desafiador, a 3M resolveu abrir os cofres. Khandpur terá mais dinheiro para gastar em pesquisa e desenvolvimento nos próximos anos. Em 2012, a empresa gastou 5,5% da sua receita em inovação. O objetivo em curto prazo é aumentar a relação para 6%. Em números absolutos, isso pode significar US$ 150 milhões adicionais ao cerca de US$ 1,8 bilhão que a 3M gasta todo ano em pesquisa e desenvolvimento.
“Nós não diminuímos o investimento em pesquisa e desenvolvimento em tempos ruins. Na verdade, nossa estratégia é investir mais agressivamente [quando o mercado não está bom], o que nos dá uma vantagem competitiva”, afirmou.
Em visita ao Brasil, em agosto, Khandpur sentou-se para conversar com exclusividade com Época NEGÓCIOS em um hotel na Zona Sul de São Paulo. Além do aumento nos investimentos, falou sobre inovação como uma “buzzword”, a relevância do Brasil na estratégia global e a recente ascensão de executivos indianos a altos cargos nos Estados Unidos.
Como o processo de inovação da 3M, usado como inspiração por muitas empresas, evoluiu no último século?
De diversas maneiras. Primeiro, o processo de inovação precisa estar conectado ao mercado externo e às mudanças que estão acontecendo com nossos clientes e o setor. São essas as mudanças que determinam quão rápido e como nós inovamos. Nosso lema é “ciência aplicada à vida”. No fim do dia, nós não queremos apenas fazer ciência. Queremos fazer algo útil que venda e crie valor para nós e nossos clientes.
Quando a base de clientes muda – e isso aconteceu algumas vezes nos últimos 100 anos -, você precisa sair de St. Paul [onde está a sede da 3M] e expandir geograficamente. Hoje eu estou no Brasil, ontem eu estava no México, ainda vou para Índia, China e Indonésia… Todos esses clientes têm suas demandas únicas. Algumas são similares, outras são bem diferentes, algumas são locais.
Agora, estamos em um mundo onde muita coisa é influenciada pelo digital. A 3M vem se transformando nesse sentido. Queremos ter certeza que entendemos como o mundo digital está e como vai afetar nossos clientes e, portanto, como vai afetar nossos negócios e processos. Então, tendências de clientes, de mercados, de mudanças de geografia, tudo isso provocou mudanças nos nossos processos de inovação.
Em momentos de crise, é tentador cortar o investimento em pesquisa e desenvolvimento e direcioná-lo a outras divisões. É uma armadilha em curto prazo?
Na maioria das vezes é. Nós não diminuímos o investimento em pesquisa e desenvolvimento em tempos ruins. Na verdade, nossa estratégia é investir mais agressivamente [quando o mercado não está bom], o que nos dá uma vantagem competitiva.
Em números, o que isso significa?
Na 3M, nós falamos que Pesquisa e Desenvolvimento é o pulso da companhia. A empresa gastou [no setor] uma quantia significativa de dinheiro – US$ 1,8 bilhão no ano passado e US$ 8,5 bilhões nos últimos cinco anos. Ainda que as condições macroeconômicas tenham desacelerado, nós aumentamos nossos investimentos em pesquisa de 5,5% em 2012 para 5,8% das vendas no ano passado. A 3M entende a importância de pesquisa e desenvolvimento na inovação. É parte da nossa visão, essencial para a estratégia. É uma força fundamental da companhia.
Qual é o objetivo?
Aproximar-se de 6% [das vendas].
Em quais áreas podemos esperar esse investimento maior?
Healthcare e eletrônicos de consumo são áreas essenciais. A divisão de Segurança e Gráficos (SG) é outra muito importante para nós. Estamos tentando construir um negócio de segurança pessoal. Mas depende das necessidades dos clientes em cada geografia. Em alguns casos, estamos aumentando o investimento na divisão Industrial. Em países em desenvolvimento, as necessidades são diferentes das de países desenvolvidos. A infraestrutura ainda não está pronta. Nestes casos, os produtos industriais e de segurança se encaixam muito bem. Conforme as economias se desenvolvem, healthcare e eletrônicos de consumo se tornam mais importantes.
De onde vem o crescimento nos resultados financeiros da 3M nos últimos trimestres?
Eletrônicos de consumo, como você sabe, é um grande mercado, principalmente nos últimos anos. Obviamente, nós gostamos de atuar em setores que criam valor para nós e nossos clientes. Nosso crescimento recente vem de eletrônicos de consumo e healthcare. São boas áreas de crescimento no futuro para nós. A divisão Industrial é a que mais traz negócios. Houve uma desaceleração econômica nessa área, mas achamos que nosso portfólio é bem relevante e está nos ajudando em um mercado em queda.
Não parece uma coincidência o aumento no investimento com essa desaceleração econômica. Existe uma conexão?
Depende do mercado. O mercado de eletroeletrônicos está em queda e nossos negócios na área foram afetados. Nós não estamos desconectados dos nossos mercados e dos nossos clientes. Nosso CEO [Inge Thulin] diz que nós controlamos o controlável. Há certas coisas que não podemos controlar. Moeda a gente não controla – até certa medida.
Houve também um impacto pela valorização do dólar, segundo o balanço da companhia.
Sim. E 60% das vendas da 3M são feitas fora dos EUA. No geral, a companhia fez um bom trabalho. Nossa divisão de healthcare cresceu quase 5% no último trimestre. Os negócios de SG e produtos de consumo cresceram entre 2% e 3%. Os eletrônicos e os produtos industriais foram mais afetados pelo contexto econômico. Essas quedas econômicas são também momentos bons para garantir que estamos priorizando bem e inovando para que, quando o mercado voltar, possamos pegar uma maior participação de mercado.
Qual é a relevância do Brasil dentro da estratégia global da 3M?
O Brasil é uma das nossas principais subsidiárias. Em termos de receita, é um dos nossos dez maiores mercados. Gastamos mais de 5% das vendas locais em pesquisa e desenvolvimento. O Brasil é importante não só por ser uma grande economia, mas também porque nossos grandes clientes globais estão aqui, especialmente nos setores automotivo, healthcare, comidas e bebidas e varejo. Se estivermos mais próximos dos nossos clientes no Brasil, seremos capazes de vender de uma forma efetiva e ágil e também trabalhar juntos para, durante essa crise, torná-los mais competitivos.
Numa perspectiva de futuro, os setores e áreas de crescimento que eu mencionei continuarão a ser importantes tanto para o Brasil num futuro próximo como para nós. O Brasil foi importante no passado, continua a ser importante agora e vai ser importante no futuro.
“Inovação” virou uma buzzword. Hoje, toda empresa se diz inovadora. Para muitas, porém, o termo fica só no discurso. O que realmente faz uma companhia inovadora?
As pessoas são inovadoras de diferentes maneiras. Algumas companhias, em inovação de modelo de negócios. Outras, em inovação de produtos. Acredito que a 3M é uma empresa bem inovadora. O que faz a 3M inovadora são três pontos.
O primeiro é o foco real no mercado e no consumidor. O segundo é uma profundidade muito forte em ciência e tecnologia. Gosto de dizer que a 3M é construída sobre inovações de ciência, tecnológicas e de produtos. O terceiro é uma cultura altamente colaborativa, que nos permite fazer conexões realmente incomuns entre nossas tecnologias, os clientes e as necessidades do mercado. Acho que essa é a receita da 3M, na sua maneira mais simples.
Essas conexões incomuns são o que nos dão uma vantagem na inovação. Nós fazemos muito para garantir que essas três peças estejam em seus devidos lugares. Como um time de liderança, gastamos muito tempo garantindo termos pessoas motivadas para criar boa ciência e tecnologia, e que estejam engajadas com o cliente. A cultura de colaboração não evoluiu da noite para o dia. Foram mais de cem anos, por diferentes líderes, e continuamos alimentando-a. Juntar esses três pontos em uma forma incomum é a receita do sucesso da 3M.
Neste modelo, qual dos três pontos é o mais fácil de falhar?
Você pode ficar ultrapassado em tecnologia. Ela está mudando muito rápido e as demografias também estão mudando muito rápido. Cultura vem sendo criada há anos e pode resistir ao teste do tempo. A cultura de inovação da 3M estava lá antes de eu chegar e acho que continuará depois que eu sair. Meu ponto é que, em 114 anos, muitos gerentes, CEOs e CTOS passaram pela empresa, mas a cultura persistiu. É algo muito forte que a 3M criou.
A história de como o Post-it e a fita adesiva Scotch, dois dos maiores sucessos da 3M, foram criados envolve uma dose considerável de fracasso. Qual é a importância da tolerância ao fracasso para instaurar uma cultura inovadora em uma empresa?
Na minha cabeça, o principal ponto que determina o sucesso de uma empresa são seus funcionários. Inovação começa com gente. Sobre os funcionários, é preciso colocar um ambiente no qual eles possam assumir riscos, que não tenham medo de fracassar – se você quiser chamar de fracasso, já que a gente não chama. Queremos que nossos funcionários sejam “empreendedorísticos”, que tomem riscos. Queremos que entendam que é esperado que eles assumam riscos.
Temos programas como o Regra dos 15% [instituído em 1948, o programa permite que funcionários usem 15% do seu tempo para projetos diversos. O Google se inspirou na ideia para um programa similar, com 20% de tempo livre], nos quais eles podem assumir riscos. Se as pessoas têm boas ideias, temos um programa de financiamento da minha divisão que dá até US$ 200 mil para que eles testem essas ideias. Quando você coloca desta maneira, as pessoas não ficam com medo de falhar. Elas se perguntam ‘por que não estou tomando riscos?’. É isso que você quer inculcar. Você não quer que todo mundo assuma riscos o tempo todo, já que você precisa gerenciar a produtividade da empresa também.
É aí que entra a liderança. Os gerentes, diretores e todo o resto do topo precisam criar processos que garantam um número suficiente de ideias vindo de baixo e que essas ideias são validadas do ponto de vista de negócios. Se você fizer esses dois corretamente, pode ter um bom balanço entre manter uma boa cultura de inovação e manter a produtividade da empresa.
Nos últimos anos, estamos vendo muitos indianos assumindo posições como CEOs ou na cúpula de comando de grandes empresas norte-americanas, como Satya Nadella na Microsoft e Sundar Pichai no Google. O que isso diz sobre o sistema educacional indiano?
Essa é uma pergunta difícil. Os EUA são uma economia muito diversa. O sistema é baseado na meritocracia, o que cria oportunidade para bons talentos, não só da Índia, mas de qualquer outro lugar. Eu vi isso no meu Ph.D. [Ashish nasceu e se formou na Índia, mas foi fazer seu Ph.D. nos EUA], onde 70% dos alunos não eram norte-americanos. Vi muitos talentos de diferentes nacionalidades trabalhando lado a lado para resolver grandes problemas. Para mim, isso é muito energizante e traz novas perspectivas. Indianos têm suas próprias perspectivas. Existem tantas línguas e religiões. Para mim, diversidade vem naturalmente. É fácil. A outra característica que é natural aos indianos é a proposta de valor – essencialmente, como você consegue mais por menos. A Índia não era um país muito rico enquanto eu crescia lá.
Norte-americanos não têm isso tão claro pela abundância do país onde cresceram?
Não quero comparar. As pessoas têm capacidades e forças baseadas em onde elas cresceram e quem estava ao seu redor. A partir de onde vêm, indianos conseguem apreciar a diversidade e entendem muito bem o modelo de bons valores por preços baixos. Essa é uma forma de olhar a questão.
Se você pensa qual é a nação mais inovadora do mundo, nós podemos discutir, mas eu diria que os EUA são uma das mais. Não porque é administrada por indianos, chineses ou norte-americanos, mas porque o que a governa é o pensamento de que bom talento vem de todo lugar. Diversidade cria, no total, um valor maior do que quando é um único tipo de sistema. Esse modelo funcionou muito bem para os EUA. Para mim, pegar dois ou três indianos deste modelo… Deveria ser assim. Existem muitos indianos talentosos nos EUA e eles deveriam ter a oportunidade, assim como chineses, norte-americanos e todos os outros. Então eu não vejo nada de específico.
Se você olhar para a 3M, o comitê de operação é bem diverso. Temos um vice-presidente executivo que é coreano, um espanhol, um canadense e um indiano. É a prova que, para uma grande empresa tradicional, sediada no meio dos EUA, como a 3M, é o pensar grande que importa, não especificamente as pessoas.
Fonte: Época Negócios