Agora, Doria precisa explicar que “tipo” de gestor será
Por Redação Publicado 4 de outubro de 2016 às 13:17

É interessante observar que “gestão” possa ter
sido uma força influenciadora destas eleições

Muitos acreditam que a acachapante vitória já no primeiro turno de João Doria para a prefeitura da cidade de São Paulo foi fruto, entre outros fatores, do discurso “não sou político, sou gestor”.

Ideologias ou frases de efeito a parte, é realmente muito interessante observar que “gestão” possa ter sido uma força influenciadora destas eleições na maior e mais rica cidade do país e em algumas outras também, como em Campinas, uma das maiores e mais influentes do interior de São Paulo.

É bem possível que tal discurso tenha surtido efeito para boa parte da população que esteja querendo realmente um gestor, alguém que resolva ou enderece efetivamente os seus principais problemas. E não alguém que fale apenas sobre isso, sem ter capacidade de efetivamente resolver.

Há tempos nessa coluna, temos levantado essa questão. Na coluna “Eleições municipais: candidatos precisam falar mais sobre ‘como’ fazer”, do dia 2 de agosto, por exemplo, defendi a ideia de que não bastava apenas dizer “o quê” vai ser feito, mas, principalmente, “como” será feito. Isso é fundamental num gestor.

Também na coluna “Candidatos precisam estimular vocações econômicas municipais”, de 13 de setembro, discuti porque um bom gestor público municipal precisa, além de resolver os problemas emergenciais, também desenvolver o perfil econômico das cidades, pois é nelas que as pessoas vivem e trabalham.

Nesse sentido, talvez caiba ao novo prefeito explicar que tipo de gestor ele será. Isso ainda não ficou claro.

Afinal, a presidente da República recém destituída pelo processo de impeachment também foi eleita para o seu primeiro mandato com um discurso de que seria uma “gerente” eficaz. Sua gestão mostrou-se nada mais do que simplesmente desastrosa.

Há muitas empresas mal administradas. Há gestores ineficazes. Falar que um prefeito deve ser um bom gestor é um bom passo inicial. Mas não basta.

Esperamos que não tenhamos aquele gestor típico que segue a dita “gestão moderna”, que pode ser encontrada ainda em boa parte das empresas, inclusive em grandes multinacionais.

Aquele gestor acostumado a lidar com os problemas nos escritórios e nas salas de reunião e que prefere se manter longe de onde os problemas acontecem, sendo assim pouco capaz de resolver eficazmente as falhas e fazer melhorias.

Aquele gestor que administra apenas com base em números, que trazem interpretações ambíguas e frequentemente manipuladas da realidade.

Aquele gestor preocupado mais com o desempenho financeiro de curto prazo de sua organização do que com a satisfação dos clientes.

Aquele gestor mais preocupado com o poder e com sua própria carreira do que com as necessidades dos clientes.

Aquele gestor que aparenta ser polido e respeitoso, que dialoga e diz que ouve, mas que acha que sabe e resolve tudo, não estimulando, capacitando e desenvolvendo as equipes que o apoiam.

Trata-se de um modelo de gestão que há tempos tem sido contestado nas empresas, pois dá resultados bastante limitados e, por vezes, muito ruins.

Talvez ser eleito porque demonstrou ter uma preocupação em ser um “bom gestor” já seja um grande avanço na gestão pública. Mas podemos e devemos ir além.

Espero que o prefeito Doria seja um gestor diferente desse típico relatado acima que ainda encontramos muito no Brasil e no mundo.

As origens da gestão lean remontam à Toyota no Japão do pós-2a Guerra Mundial, empresa que vivia um momento de grandes dificuldades e falta de recursos. Era uma companhia pequena e pobre, mas ambiciosa e com aspirações de ser a melhor.

A partir de então, ela foi desenvolvendo conceitos e práticas revolucionárias orientadas para agregar valor aos clientes que a levaram a ser a empresa melhor sucedida do mundo em um setor tradicional e importante como o automotivo.

Hoje, essas práticas se disseminaram para todos os setores e países, inclusive na área pública.

A situação vivida pela prefeitura de São Paulo neste momento, em que o orçamento previsto para 2017 é cerca de 30% menor do que o deste ano, lembra-nos muito o momento em que a gestão lean começou a ganhar corpo.

Ou seja, demandas e expectativas sociais que aumentam a cada momento. E recursos cada vez mais escassos.

Nesse contexto, talvez seja mais adequado se os prefeitos – ou os prefeitos que queiram realmente ser bons gestores – tentem adotar essa visão de gestão mais contemporânea, de gestor lean.

Que focalize seus esforços no atendimento das necessidades dos clientes/cidadãos.Que vá para as ruas ver as coisas de perto, no “gemba”, para entender mais profundamente os problemas. Não para chamar a atenção da imprensa, para fazer proselitismo político ou parecer ativo para os eleitores. Mas para poder efetivamente resolver os problemas. E que estimule esse comportamento em toda a sua equipe e corpo administrativo.

Que busque gerenciar pelo método cientifico de buscar as causas raízes dos problemas e implementar as contramedidas mais eficazes.

Que procure fazer experimentos rápidos para resolver problemas específicos e gerar aprendizados.

Que estimule e viabilize a busca dos desperdícios da gestão e que tente reduzi-los ou eliminá-los, simplificando os processos e priorizando as atividades que realmente criem valor aos cidadãos.

Que entenda que o verdadeiro papel do líder, do gestor, é desenvolver as pessoas com quem trabalha, fazendo-as melhorar seus trabalhos diariamente, eliminando desperdícios e aumentando a agregação de valor do ponto de vista do cidadão.

Que garanta a transparência para os cidadãos e colaboradores.

Que define claramente as prioridades e estabelece os planos de ação de forma alinhada para atingir o futuro desejado.

Esses são alguns dos elementos e práticas gerenciais que precisam ser estimulados. Mas a maioria dos gestores públicos e mesmo do setor privado não está capacitada para isso.

As empresas que têm aplicado essas práticas e conceitos conseguem resultados impressionantes em produtividade, qualidade, custos, satisfação dos clientes, reduções de lead times (agilidade) etc.

Por exemplo, mesmo neste período de crise que temos vivido, a Toyota no Brasil é a montadora de veículos que mais tem prosperado, garantindo produtos e serviços de qualidade aos seus clientes.

Que o novo prefeito tenha muito sucesso, para o bem de todos que vivem em São Paulo. Mas ainda é preciso entender que tipo de gestor será João Doria.

Só a prática vai mostrar, a partir de janeiro do próximo ano ou ainda nos próximos meses, quando a equipe de gestão será montada, e os planos de ação, detalhados.

As ações concretas e os resultados conquistados mostrarão se ele será um gestor dito moderno ou se aproveitará os ensinamentos dos conceitos e práticas da gestão lean.

As vantagens dessa última encontram-se no fato de que tal gestão não requer investimentos. Mas o difícil é que implica em uma nova maneira de trabalhar e de pensar, radicalmente diferente da tradicional dita moderna. Com isso, as prefeituras poderão ser capazes de realizar muito mais para os cidadãos com os escassos recursos existentes.

Dizer ser gestor não será suficiente para impulsionar a gestão pública, tão carente de práticas gerenciais minimamente racionais do ponto de vista dos cidadãos.

Fonte: Época Negócios