Dia do Autismo: exemplos que passaram pelo Judiciário de MS
Em homenagem ao Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado no dia 2 de abril, a Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ) do Tribunal do Justiça destaca a data contando histórias de pessoas que cruzaram o Judiciário e transpuseram as barreiras do insuperável, desmistificando o questionamento de muitos sobre como é a vida e qual será o futuro para os autistas e seus familiares.
De acordo com a juíza Coordenadora da CIJ, Katy Braun do Prado, “a importância desta mobilização está na busca da conscientização da sociedade sobre a existência desse transtorno de desenvolvimento, pois o diagnóstico precoce é essencial para a redução dos atrasos e dos sinais autísticos, de modo a potencializar as habilidades da criança a fim de que ela possa gozar de uma vida plena”.
O menino Pedro teve um começo bastante complicado. Nasceu prematuro de seis meses, convulsionando e com infecção generalizada devido ao rompimento da bolsa amniótica por mais de sete dias. A mãe abandonou o recém-nascido. Ele precisou de respirador por dois meses e meio, teve uma nova infecção por fungos no coração e, por volta dos 40 dias de vida, seus pais adotivos – Verônica (61) e Edy Rodrigues (66) – começaram a visitá-lo no hospital.
Quando teve alta, pesando em torno de dois quilos, seu destino seria a casa de acolhimento. Foi então que os pais de Pedro, por fazerem parte dos projetos da Infância e Juventude, conseguiram levá-lo para casa, com a missão de cuidar do pequeno até que alguém o adotasse.
O diagnóstico médico apontou uma lesão de grau 4 no cérebro, cuja expectativa era de que Pedro não andasse, não falasse, não ouvisse e tivesse muita dificuldade de aprendizagem. O que assustou os pretendentes que estavam na fila de adoção e ninguém há época teve coragem de aceitar o desafio.
Mas Pedro já tinha conquistado o casal, pais de quatro filhos adultos. Eles não titubearam em iniciar o processo de adoção e assim o fizeram. Desde que chegou em casa, ainda tão pequenininho, Verônica conta que foi atrás de tudo o que pudesse melhorar a qualidade de vida dele. Pedro se acostumou com a rotina de idas e vindas em fonoaudiólogo, psicólogo, oftalmologista, neurologista, ortopedista, psiquiatra, fisioterapeuta e tudo o mais que a ciência pode oferecer. “Onde tem tratamento eu vou”, conta ela.
Isto fez com que ele se desenvolvesse muito bem e começasse a pronunciar as primeiras palavras, como um bebê normal até que, numa manhã, aos dois anos, ele não falou mais. Aos cinco anos, após descartar a hipótese inicial de hiperatividade veio o diagnóstico conclusivo: Pedro tinha um grau severo de autismo.
Verônica conta que tudo o que se tem hoje sobre o tema é pesquisa. Há muito mistério sobre o autista, algumas coisas são semelhantes entre eles, como o apego a rotina, o gosto por atividades repetitivas, enfim. Mas Pedro sorri, olha nos olhos, é muito sociável, querido por todos, conta a mãe, desmistificando um estereótipo de que são pessoas muito isoladas e fechadas no seu próprio mundo.
Mas Verônica conta que não foi fácil chegar até aqui e atribui muito da melhora ao tratamento multidisciplinar e ao esforço diário de buscar com que ele se desenvolva o máximo que puder.
Hoje, com 8 anos, ele quase fala, conta a mãe, e tem uma vida muito tranquila com eles, ao ponto de as pessoas não perceberem muitas vezes que ele é especial, o que causa até mesmo situações constrangedoras, pois, segundo explica “uma das características do autista é querer tudo na hora. Isso faz com que nós utilizemos dos atendimentos preferencias, por exemplo, mas muitas vezes há quem questione dizendo que ele não precisa”.
Hoje ele consegue se comunicar melhor e isto faz com que não tenha constantes momentos de descontrole, algo comum do autismo. É somente quando ele não consegue expressar o que deseja que as coisas ficam mais tensas, afirma Verônica.
Fora isso ele cantarola o dia inteiro, adora ir para a escola, interagir com os colegas que o cuidam com muito zelo. Como anda acima do peso, Pedro tem ido também à academia, outra atividade que adora.
“Ele está bem fortinho, quem diria né? Nem parece aquele prematuro”, admira-se a mãe. “Ele é a alegria da nossa família, meus filhos que moram fora acompanham por fotos o seu dia a dia, os amigos e vizinhos, todos gostam muito dele. Desde o primeiro momento que você o conhece, o olhar dele cativa, foi assim com a gente e hoje nossa vida é ele em primeiro lugar para tudo”.
PAI E FILHO
Outro bom exemplo de como a vida pode surpreender é o pequeno Arthur, que encontrou a família ideal em Corumbá, onde hoje vive com o veterinário Jorge Antônio Ferreira Vilar (44) e sua esposa Ádina Botazzo (43). O casal que aguardava em primeiro lugar na fila de adoção na comarca e foi procurado pela juíza Katy Braun sobre o interesse no pequeno Arthur, que havia nascido na Capital. Em razão de possuir lábio leporino, as tentativas não tiveram sucesso com os pretendentes de Campo Grande e foi assim que ele chegou até eles.
Como a adoção nestes casos precisa ser muito rápida, por conta de todo o tratamento imediato, o casal recebeu Arthur logo nos primeiros dias de sua vida e a primeira batalha veio com os procedimentos médicos. Arthur foi submetido a duas cirurgias na cidade de Bauru, com atendimento especializado na Capital.
Vencida esta fase, por volta dos dois anos, a mãe começou a estranhar o comportamento do pequeno, o que foi visto com certa relutância por Jorge, pois ele se identificava muito e dizia que não havia nada de errado, visto que ele se comportava da mesma forma quando criança.
Após baterias de exames e consultas, o diagnóstico foi de autismo para ambos: tanto para o pai quanto para o filho, apesar de Jorge possuir um grau leve. Atuando no ramo de pesquisa científica, responsável por 130 funcionários, Jorge encontrou muitas das respostas que procurava, os porquês de sua necessidade ao longo da vida de se encaixar no socialmente aceito.
Hoje com quatro anos e meio, o pai conta que Arthur possui as características do autista, tais como movimentos repetitivos, raciocínio acima da média, corpo dentro do padrão para a idade, mas comportamento abaixo.
É com propriedade que ele entende o que se passa no universo do filho, explicando que a sociedade tem dificuldade de compreender como o autista se relaciona. “Ele destoa sobretudo no comportamento social, pois para ele não há importância nessa interação. Os interesses são outros. Então, os esforços são para que o autista consiga se inserir na sociedade, mas tudo a seu modo, a seu tempo” destaca.
“É preciso respeitar o espaço. O autista gosta de estar só, ele precisa disso em determinados momentos. Eu mesmo, vou hoje a uma formatura e consigo participar de eventos dessa natureza, me comportar de modo normal. Para isso desenvolvi a habilidade de me camuflar, agindo como todos outros agem, mas depois preciso de umas duas ou três horas só para mim”.
Jorge conta que precisou estudar os comportamentos sociais para conseguir respeitar os padrões. Ele até mesmo decora para saber o que agrada o que não, “pois o autista não tem esta noção”. No seu caso, é muito falante, se não decorasse os sinais de que está sendo inoportuno, por exemplo, continuaria falando eternamente com as pessoas.
Outro ponto que ele destaca é incentivar as habilidades natas de cada um. Dar força para o autista se desenvolver naquilo que tem interesse, desta forma, eles se tornam úteis para a sociedade, pois são capazes de fazer algo muito bem. “Albert Einstein era assim. A genialidade dele é justamente a capacidade infinita de fazer repetidamente algo, e isto faz que o autista se torne excelente no que se dedica”.
É claro que em graus mais severos, este desenvolvimento e mesmo a interação social são prejudicadas, mas o importante, destaca Jorge, é incentivá-los em se aprofundar no que é bom.
“Talvez o Arthur não alcance uma aceitação social tão profunda quanto a minha, mas, como meu grau de autismo é leve, tenho consciência de que não me comporto como os outros gostariam, e isto me traz uma ansiedade, coisa que não é tão preocupante para quem tem um grau mais elevado. Eu acho que no fim, ele vai ser mais feliz que eu”, confessa.