
O encantado mundo do empreendedorismo seduz
mais e mais mulheres. Saiba o porquê
As empresas dizem estar com medo de perder talentos do sexo feminino, sobretudo nos níveis gerenciais e de diretoria, que é onde o calo aperta mais. Gestores atentos tentam, a seu modo, abraçar o tema da liderança feminina e “empoderá-las”. Pouco a pouco, a pauta deixa de ser opcional e passa a ser obrigatória na agenda C-Level. Nos últimos dias, foi a vez de Juan Carlos Marroquín, presidente da Nestlé, e de Paulo Leme, do Goldman Sachs, serem hosts de eventos que tinham mulheres como convidadas de honra. “Não somos perfeitos, mas estamos tentando”, disse Juan Carlos à seleta plateia do Ellevate Network. Leme, por sua vez, abriu as portas do banco para o debate promovido pela jovem ONG W.I.L.L. – Women in Leadership in Latin America.
No folder distribuído pelos organizadores, executivas de currículos estrelados e títulos duplicados. Em fonte de igual tamanho, foram provavelmente impressos com a nobre intenção de fisgar o interesse de destinatários do sexo masculino: “Convidando os Homens para o Debate”/ “Liderança Feminina Gera Lucro”, lia-se.
No subtítulo, explicações adicionais para despertar o interesse deles: “Por meio do diálogo e com o apoio dos homens, maioria absoluta dos líderes empresariais, criaremos condições para que a mulher também possa alcançar posições de liderança”.
Paulo Leme, um dos únicos dez homens presentes, em meio às 230 interessadas que ocupavam o auditório em meia-lua, fez seu discurso de abertura com um lamento: “Estamos muito aquém de onde deveríamos estar”. Mas como ser inclusivo quando se trata da nervosa rotina do investment banking?, mercado esse que, não raras vezes, “exige noites e noites insones no preparo de um pitch book?” Sim, um desafio e tanto, Paulo. Desumano, até. Para homens e mulheres. Só não vamos esquecer que, no quesito noites em claro, as mães são imbatíveis.
Fábio Barbosa, vice-presidente do Itaú Social, e keynote speaker da noite, entrou em cena avisando que, em matéria de diversidade, as coisas só funcionam na base do top down: “Se não forçar, não vai. Eu forcei”, disse, em alusão à sua temporada como CEO do Santander, quando ajudou a alçar à liderança talentos como a lúcida Luciane Ribeiro, atual CEO do Santander Asset Management no Brasil.
Presente ao evento, ela fez um apelo: “Vamos ser mais generosas umas com as outras, tanto quanto eles o são?”. Silêncio. O sempre ponderado Fabio apontou onde mora o perigo: “É certo que a diferença faz a diferença. Mas temos de trocar a ética negativa do ‘tem que ter’ pela ética inspiradora, de que ‘é melhor ter'”.
Será? As panelistas não formaram consenso sobre a ainda polêmica questão das cotas, por exemplo. Para o bem ou para o mal, o fato é que a seleção para um cargo de alto escalão de um banco não pode usar o truque hoje bastante praticado pelas orquestras para eliminar eventuais desvios no processo. Nesse caso, como bem lembrou Barbosa, a audição se dá com o candidato oculto atrás das cortinas, sem que seu sexo seja revelado.
O método, mostraram as pesquisadoras Claudia Goldin e Cecilia Rouse ainda nos anos 70, garante às musicistas iniciantes 50% mais chances de avançar no processo seletivo. Enquanto não inventarmos nada tão eficiente para o mundo dos negócios, as empresas experimentam a sangria de suas virtuoses, principalmente na crítica faixa dos 30 anos, quando elas se casam e têm filhos. Gravidez e bebês ainda evocam calafrios na turma do RH. Os mesmos minus points para elas, contudo, sofrem alquimia e se transformam em plus para eles.
Casamento, mulher grávida e/ou filhos carimbam o currículo dos homens com o selo dourado da responsabilidade familiar. Talvez por esse, e tantos outros motivos, as empresas corram o risco de perder talentos para outro vilão, além das crianças: o empreendedorismo.
Sob o canto da sereia da ambicionada flexibilidade de horário e outras vantagens, nem sempre confirmadas pela experiência, avança o número de empreendedoras (7,3 milhões and counting) no país, e também de redes de apoio com os mais sugestivos nomes, que prometem acolhê-las e capacitá-las: “Mulheres que Decidem”, “Empreendedorismo de Salto”, “Empreendedorismo Feminino em Pauta – Voa, Maria”, “RME” (este, o maior e mais antigo) e “Grandes Mulheres”, de Pequenas Empresas & Grandes Negócios, são apenas alguns.
A maioria nasce e cresce no Facebook. Todos se dispõem a abrigar e auxiliar empreendedoras. Entre elas, tchan tchan tchan: profissionais egressas de grandes empresas. Estaria tudo certo se marinheiras de primeira viagem não migrassem para o encantado mundo do empreendedorismo sem saber que o inferno corporativo pode se replicar rapidamente dentro do seu próprio negócio.
Levante a mão quem não tem uma amiga, muito bem formada e informada, que abriu a lojinha de bebê e fechou as portas antes de as crianças se livrarem das fraldas. Seja como for, o fato é que, hoje, as mulheres já respondem por mais de 30% do total de 23,5 milhões de pessoas que são donas de empresas no Brasil. Em pouco mais de uma década, esse número cresceu 16%, obedecendo a uma tendência já observada nos Estados Unidos.
Por lá, o número estimado de empreendedoras é de 11,3 milhões. A quantidade de empresas fundadas pelas americanas nos últimos sete anos aumentou 45%, o que significa crescimento cinco vezes maior em relação à criação de negócios como um todo (9%).
Por aqui, o que se sabe é que elas geram mais receita com menos investimentos (qual empresa não quer isso?). Por outro lado, são menos inovadoras e afeitas ao risco e, pior dos pecados, constroem negócios de menor porte, em setores nem sempre rentáveis e com modelo de negócio escalável, segundo dados do Itaú.
Tradução: com a mudança, muitas executivas correm o sério risco de perder renda. O banco brasileiro, aliás, só vê crescer o número de clientes empreendedoras e não por acaso lançou neste ano uma nova plataforma dedicada a moças com CNPJ, assim como o próprio Facebook.
De igual forma, o Goldman Sachs segue firme com o seu programa visionário, o 10.000 Women, importado para o Brasil em 2009. Aparentemente, todos vêm sendo bem-sucedidos. Se conseguirão ter igual sucesso na valorização das suas executivas, ainda não se sabe. Façam suas apostas.
Sandra Boccia (@sandraboccia) é diretora de redação de Pequenas Empresas & Grandes Negócios, colunista da CBN e pesquisadora de gênero em empresas de todos os tamanhos. Assista a sua palestra sobre o tema no TEDx.
Fonte: Época