Cunha descarta renúncia, delação e cita ameaças por ter aberto impeachment
Por Redação Publicado 21 de junho de 2016 às 15:59

Presidente afastado da Câmara fala pela primeira vez à imprensa desde seu afastamento

BRASÍLIA — Nem delação premiada, nem renúncia. Em quase duas horas de pronunciamento, em que lia pontos de uma defesa jurídica e política, o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), frustrou aliados que esperavam um ato de renúncia ao cargo por entender que suas chances de ser absolvido no plenário da Casa são quase nulas. Ao invés disso, Cunha mostrou disposição de partir para uma nova batalha, na Comissão de Constituição e Justiça, para impedir que o pedido de cassação aprovado pelo Conselho de Ética, chegue ao plenário.

— Não trabalho nem com a possibilidade de o pedido de cassação ir ao plenário da Casa — disse Cunha, ressaltando que a representação será anulada na CCJ.

Ele declarou que espera reassumir o cargo. Cunha cobrou do Supremo Tribunal Federal (STF) um posicionamento sobre seu afastamento do cargo e do mandato, que segundo ele, estaria vinculado ao julgamento no conselho.

Na coletiva, Cunha afirmou que seu mandato termina apenas em fevereiro de 2017.

— Eu vou sair em algum momento, mas meu mandato vai até fevereiro de 2017. Espero reassumir o cargo bem antes disso — disse Cunha, ao deixar o auditório de um hotel em Brasília que alugou para retomar o contato com a imprensa.

No pronunciamento, Cunha acusou o ex-ministro da Casa Civil, o petista Jacques Wagner, de ter tentado barganhar votos do PT, no Conselho de Ética, para impedir que Cunha encaminhasse o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff na Casa. Segundo Cunha, em três conversas, uma delas no Jaburu, Jacques fez a oferta. O presidente afastado também afirmou que Wagner disse que teria controle sobre o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PP-BA), baiano como ele.

— Mais uma vez Eduardo Cunha mente para se fazer de vítima. Ocorreram encontros para tratar da relação do Executivo com o Legislativo e da pauta de votações. Nunca houve oferecimento de apoio do PT a Cunha, nem nunca haverá – rebateu Wagner.

Na coletiva, indagado sobre porque não denunciou a tentativa de venda de votos do PT à época, Cunha rechaçou a palavra venda e afirmou que não considerou a proposta factível. Mas disse ter testemunhas e que pode provar que houve a conversa neste sentido.

— (Não denunciou à época) porque foi por mim refutado. Isso é feito em conversas políticas. Eu refutei. Quando você denuncia algum tipo de coisa, você está de certa forma sujeito à comprovação. E entre duas pessoas sozinhas. Mas efetivamente, sobre esse fato, eu reúno pessoas e se ele quiser me processar sobre esse fato eu tenho como provar em juízo — afirmou Cunha.

O presidente afastado da Câmara negou que o presidente interino Michel Temer tenha acompanhado essa conversa. Segundo ele, no momento da conversa no Jaburu, Temer se retirou da sala. O peemedebista disse ainda que não relatou a Temer o teor da conversa.

— Não sou nem herói nem vilão no processo de impeachment. Apenas cumpri com meu papel. A ira do PT e seus aliados por perder suas boquinha faz com que eu pague preço. Tenho a consciência tranquila que livrar o Brasil da Dilma e do PT será uma marca que terei a honra de carregar — disse Cunha, ao encerrar seu pronunciamento de mais de uma hora.

RENÚNCIA DESCARTADA

Cunha abriu espaço para as perguntas dos jornalistas e reagiu com ironia ao questionamento sobre sua renúncia à Presidência da Casa:

— Como vocês virão, não renunciei.

Ele chamou de “boataria” as declarações de aliados que ele pretende renunciar.

— Minha posição não mudou uma vírgula.

Antes, disse que sofreu várias ameaças de morte após a abertura de impeachment.

— Recebi ameaças de morte, telefonemas anônimos, várias ameaças a minha integridade física que não torno público, não fico fazendo drama, afirmou.

Cunha tentou mostrar tranquilidade durante toda sua fala, em que desferiu ataques não só ao PT, mas também ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Cunha voltou a reclamar da ação “seletiva” de Janot sobre ele.

— O procurador pega notícias jornalistas e me atribui. É uma situação inusitada. Nunca vi processo judicial contemplar acusação através de notas jornalísticas — criticou Cunha.

‘NÃO TENHO O QUE DELATAR’

Ao rechaçar a possibilidade de delação, Cunha afirmou não ter porque fazer isso já que, segundo ele, não cometeu nenhum crime.

— Não tenho o que delatar de mim nem de terceiros. Não tenho crime praticado, portanto, não tenho o que delatar.

O presidente afastado da Câmara debitou a traição cometida por seu aliado, Wladimir Costa (SD-DF) à votação com chamada nominal aprovada na sessão do Conselho. Segundo Cunha, isso será objeto de questionamento do recurso que vai apresentar à CCJ para tentar anular a votação. Segundo Cunha, ao contrário da lei do impeachment que prevê votação nominal em plenário, as outras votações na Câmara se dão por processo eletrônico.

— O voto do Vladimir é fruto da ilegalidade da votação nominal. Foi o efeito manada — disse

Ele minimizou o fato de não ter aliados ao seu lado na coletiva. Dois deputados peemedebistas estavam presentes: Mauro Lopes (MG) e Saraiva Felipe (MG).

— Eu pedi para que não viessem. Para não gerar um comprometimento de terem que vir aqui sempre que eu for dar entrevistas. Não vim aqui fazer um pronunciamento para mostrar força, estou apenas retomando o contato com a imprensa.

‘NÃO FAÇO ACUSAÇÃO DE COMPlÔ’

Cunha negou que esteja traçando um cenário de complô contra ele, disse que apenas relatou os fatos. Mas debita seu caso à abertura do processo de impeachment.

— Não faço acusação de complô, apenas relatei os fatos. O julgamento cabe a vocês. A aceitação do impeachment gerou tudo o que tenho sofrido.

Cunha disse que recorreu ao Supremo para ter direito a se defender politicamente, conversando com deputados que irão votar o processo:

— Estou sendo cerceado na minha defesa. É um julgamento político e eu tenho que ter direito de conversar com quem vai votar, é natural que eu peça voto uma a um, pode até negar, não querer conversar, mas eu tenho direito a pedir o voto. Considerar isso constrangimento (aos deputados), é cerceamento claro de defesa, é me condenar previamente.

O deputado abriu a entrevista citando a TV Globo, e outros “alguns algozes” dele que seriam escalados diariamente, em rodízio, para atacá-lo e ele, como não dá entrevista, não aparece se defendendo.

— Isso vem prejudicando a minha versão dos fatos, minha defesa e minha comunicação. Resolvi voltar a falar com regularidade para prestar essas informações eu mesmo, na medida que queiram me ouvir. Há nítido cerceamento de defesa e a falta de comunicação é um dos problemas — disse Cunha.

Antes de responder perguntas, Cunha decidiu fazer um histórico sobre sua relação com o PT. E como se deu o racha entre PMDB e PT, com a decisão da presidente afastada Dilma Rousseff de interferir para evitar sua eleição à Presidência da Casa. Na época, Cunha teve 267 votos, contra 136 do petista Arlindo Chinaglia. O deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que disputou no campo da oposição com o apoio do PSDB/PPS/PV, teve 100 votos.

Cunha disse estar arcando sozinho com os custos do aluguel do auditório onde deu a coletiva. Sobre os manifestantes que protestaram do lado de fora, ele disse que “que perderam boquinhas”.

— Não me incomodo. Estão sem o que fazer porque perderam emprego.

Ao deixar o local, ele saiu por uma porta lateral e não teve contato com três manifestantes que subiram ao primeiro andar do hotel, com um pequeno megafone e gritavam: “bandido, bandido”.

DO LADO DE FORA, MANIFESTAÇÃO

Do outro lado da rua do hotel, cerca de 10 pessoas com megafone e vuvuzela gritaram “Fora Temer, Fora Cunha”. O barulho incomodou a coletiva. Quatro jovens estavam com cartazes de “Tchau querida”, contra o PT e Dilma. Em outro cartaz, com os dizeres: “Assaltaram a Petrobras e agora querem assaltar o Rio “, com fotos, alguns vestidos de presidiário, de Jandira Feghalli (PCdoB), Vaccari, Lindbergh Faria (PT-RJ), José Dirceu, Jean Wyllis (Psol-RJ), Lula, Delúbio Soares, e ex-diretores presos da Petrobras.

Ao grupo mais barulhento, logo se juntaram outras pessoas que gritavam: “Golpistas, Cunha canalha, ladrão, corrupto, assassino, a Polícia Federal vai te prender “.

Os seguranças do hotel fecharam as janelas para reduzir o barulho dentro do auditório onde Cunha dava a coletiva. Ele ignorou, como se nada estivesse acontecendo.

Fonte: O GLobo