A interpretação equivocada das perdas de água na agricultura
Por Redação Publicado 24 de setembro de 2015 às 12:31

Esta situação torna-se mais vexatória, quando se compara com valores percentuais de perdas entre 3 e 20%, relatados em países desenvolvidos

Em decorrência da possibilidade de exaustão do Sistema Cantareira, pode ter causado indignação, a revelação anunciada pelo Sistema Nacional de Informações de Saneamento Básico do Ministério das Cidades, indicando que, em média, 37% da água tratada no país em 2013, provavelmente clorada e fluoretada, saíram das estações de tratamento e não chegaram às torneiras dos consumidores. Admite-se que o volume de água subtraído da rede de distribuição, somente na Grande São Paulo, aproxima-se da produção atual do Sistema Cantareira, que abastece 6,5 milhões de moradores. Ao se adicionar outro percentual significativo, representado pelo desperdício, consciente ou não, nas torneiras, chega-se facilmente a proporções estarrecedoras de 50% de água não aproveitada, um manancial que, sem dúvida, afastaria o risco atual de racionamento ou restrição hídrica às populações brasileiras.

Esta situação torna-se mais vexatória, quando se compara com valores percentuais de perdas entre 3 e 20%, relatados em países desenvolvidos. Apesar dos reconhecidos elevados custos divulgados para eliminar as principais causas dessas perdas, não se pode admitir que, nos cenários atuais de escassez hídrica, essa alternativa não seja prioritariamente considerada, para agilizar uma reversão necessária nessas estatísticas.

Diferentemente do cenário urbano, as perdas de água no ambiente rural, através dos sistemas de irrigação, não devem ser responsabilizadas pelo agravamento da escassez hídrica. A rigor, o que caracteriza o uso efetivo de água pelas plantas, aquele que, de fato, requer a necessária reposição de água ao solo, é a evapotranspiração, um processo que representa as perdas conjuntas por evaporação da água presente na superfície vegetativa e na superfície do solo, e a transpiração, manifestada, principalmente, através dos estômatos existentes nas folhas. Enquanto a transpiração mantém a abertura estomática, possibilitando a entrada simultânea do gás carbônico, matéria prima no processo fotossintético, responsável pela produção de alimentos, fibras e produtos energéticos, a evaporação traz pouco ou nenhum benefício para as plantas cultivadas e, por essa razão, pode ser considerada, efetivamente, uma perda irrecuperável de água. Irrigações menos frequentes podem ser criteriosamente recomendadas, para reduzir as perdas por evaporação, sem prejudicar a produção das culturas.

Por outro lado, quantidades de água consideradas excessivas para suprir as necessidades das culturas irrigadas, deverão se infiltrar no perfil do solo e, portanto, não devem ser caracterizadas como perdas efetivas, pois serão incorporadas ao armazenamento subterrâneo, podendo ser reaproveitadas neste ou em outros locais daquela bacia hidrográfica. Em resumo, não participam do uso consuntivo, ou seja, não serão subtraídas da bacia hidrográfica. Além disso, quando não incorporam solutos indesejáveis, podem restituir aos mananciais, um produto de melhor qualidade, ao atravessar as camadas porosas do solo, que funcionam como eficientes sistemas de filtragem, em direção ao lençol freático.

Edmar José Scaloppi é professor Titular da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp em Botucatu.

Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 18 de setembro de 2015.

Artigo é de professor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp

Fonte: Portal do Agronegócio