Se dúvida houvesse, esta pergunta não mais poderia questionar os fatos depois da excelente matéria de Lairtes Chaves, no Correio do Estado, de 13/06/15, sobre o crescimento do trabalho infantil em MS, “na contramão do resto do País”. Entretanto, ao final dos anos noventa, desenvolveu-se no Estado uma das mais eficientes ações de combate ao trabalho infantil do Brasil, inclusive com reconhecimento internacional. Como chegamos à atual situação? E como sairemos dela?
A sociedade sul-mato-grossense tomou conhecimento, pelo jornal The New York Times, no início do ano de 1995, em reportagem de capa, que nas carvoarias do nosso território (entre Três Lagoas e Ribas do Rio Pardo, principalmente) havia uma odiosa exploração da mão de obra infantil na atividade carvoeira. Nessa região, quase inacessível, o proprietário da terra não era o dono da mata de eucalipto, quem não era dono dos fornos de carvão, cujos donos terceirizavam a atividade. Como levantar as responsabilidades nesse cipoal? Tanto a legislação sobre a matéria quanto a fiscalização eram federais. Porém, o problema era social e estadual. O então recém-empossado governador do Estado reuniu as condições necessárias para enfrentar os fatos. O primeiro deles: as pessoas comuns achavam que lugar de adolescente pobre é no trabalho, “melhor do que ser bandido”. O segundo: as famílias, afundadas na miséria, alegravam-se com a oportunidade de colocar seus filhos naquela penosa atividade. Outro: a consequência da pura e simples fiscalização dos órgãos federais as levou a serem despejadas nas periferias das cidades, que surpreenderam-se com um rápido e crescente aumento da prostituição, em face da contratação de homens solteiros para as carvoarias. O que fazer?
Criou-se o PAI – Programa de Ações Integradas para a Eliminação do Trabalho Infantil, com a participação de órgãos governamentais, particularmente o governo federal; a parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef); a colaboração de entidades de outros estados (Fundação Abrinq, de S. Paulo, p. ex.); em articulação com representantes de entidades sociais, igrejas, sindicatos, clubes de serviços locais. O programa recebeu do Unicef o Prêmio Criança e Paz – Betinho – 1997, pelo seu êxito.
Institui-se, dentre as várias ações daquele programa, uma ajuda para as famílias, por meio de cartão bancário, de R$ 50,00 – “vale cidadania” – (mais ou menos 45 dólares) para cada criança/adolescente que efetivamente frequentasse a escola, inclusive com jornada ampliada. O projeto do governo estadual que foi executado, com sucesso, pelas prefeituras municipais. Enfim, em 1998, já eram atendidos 5.000 crianças e adolescentes, inclusive em outras atividades econômicas, tais como colheita de algodão, coleta da semente de braquiária, serraria, olaria, catação de iscas para pesca, em 48 municípios do Estado.
O governo estadual, nos últimos anos, a partir de 1999, abandonou sua posição de liderança no combate ao trabalho infantil e não se sabe por qual motivo (talvez descaso) até aqui. O problema voltou e desafia soluções. O futuro se enxerga para a frente, mas também é preciso olhar no espelho retrovisor para acertar o percurso, retirando lições do passado. A primeira delas: quando se quer fazer, se faz!
Fonte: Correio do Estado