Há uma diversidade de tipos de constituição familiar na sociedade contemporânea: a família nuclear (mais conhecida como tradicional), a recomposta (quando há união de casais com filhos de casamentos anteriores, fazendo constituir uma nova família), entre outras formas de união.
As conquistas das mulheres em relação ao trabalho e a sua vida profissional levaram-nas a trabalhar fora de casa para contribuir no sustento da sua prole. O casal passa, então, a se ausentar do convívio dos filhos na maior parte do seu tempo, buscando, numa sociedade capitalista, obter um maior rendimento financeiro para arcar com as despesas e realizar seus sonhos materiais.
Entretanto, para alcançar os seus objetivos profissionais, aumentar ou conseguir manter o orçamento doméstico, “terceirizam” os cuidados de seus filhos aos avós, parentes mais próximos, vizinhos, creches e escolas. Essas crianças passam a receber noções de boas maneiras, a perceber o certo e o errado, aprender valores morais, religiosos – sob a ótica de seus cuidadores – e ter acompanhamento nas atividades escolares.
A consequência dessa ausência é a dificuldade dos pais, quando em contato com as suas crianças, transporem limites, fazerem com que elas os respeitem e acatem suas ordens e orientações disciplinares. Emocionalmente, também torna-se complicado para esses pais, cheios de culpa por se manterem tanto tempo longe daqueles a quem mais amam, forçar uma situação desgastante, ou seja, exercer a sua autoridade (não autoritarismo) com os filhos.
O limite é imprescindível para que os filhos se sintam amados e saibam conviver com o outro, saibam que, além deles, também existem outras pessoas no mundo e que não é só o seu desejo que precisa ser realizado.
É interessante comentar que, sem a orientação adequada sobre o significado de limites, a criança pode desenvolver um descontrole emocional, ataques de raiva, e, ao longo do tempo, pode instalar-se um comportamento antissocial, levando-a a ter sérias dificuldades de se relacionar com o outro.
Chega o momento de essas crianças iniciarem a fase de escolarização. No decorrer do ano letivo, é comum os pais começarem a receber reclamações como, por exemplos, de seu filho estar mordendo ou chutando o coleguinha e, posteriormente, de não prestar atenção à aula, falar o tempo todo, não parar sentado, etc. Isso representa mais problemas para aqueles pais, mães, responsáveis legais ou não, que não têm tempo para as reuniões de pais.
A tendência desse comportamento descontrolado e agressivo, provocado pela falta de limites, é agravar-se, tornando o ambiente escolar palco de atitudes violentas, como: agressões físicas e verbais, bullying, preconceitos raciais e de gênero, completo desrespeito para com o colega e para com os próprios professores.
De um lado, pais permissivos, que, por falta de conhecimento ou comodismo, porque é mais fácil permitir do que corrigir, ensinar, tornam-se meros espectadores da formação psicossocial dos filhos; pais ausentes na educação dos filhos vão deixando lacunas no seu desenvolvimento emocional e, com isso, abrem espaço para que outros – ou algo – os eduquem.
Já na escola, em contrapartida, essas crianças não encontram o apoio necessário para o enfrentamento dos seus conflitos, porque a escola é, por excelência, o local destinado à aprendizagem intelectual e à socialização dos alunos.
Evidencia-se, nesse contexto, uma inversão de função, na qual os pais acreditam que a escola pode oferecer aos seus filhos a educação e a formação que deveriam ter sido recebidas em casa. O que está longe da verdade, pois o que verdadeiramente se percebe é que pais, mães, cuidadores, de maneira geral, sentem-se inseguros, impotentes diante dos conflitos surgidos entre eles e os filhos, gerando dúvidas em relação à qual atitude tomar. Eles não sabem como fazer, ou mesmo o que fazer para manter uma boa relação familiar.
Acredita-se que um trabalho interventivo com a elaboração de políticas públicas pontuais em benefício das famílias, orientando sobre a importância das relações socioafetivas no seio familiar, acolhimento, diálogo e organização de tempo para o convívio de seus membros, proporcionando a criação do vínculo afetivo, da intimidade entre os integrantes do núcleo familiar, seriam o início de uma atitude com possibilidade assertiva. Precisam de ajuda interventiva de profissionais que pesquisam e trabalham com as relações familiares, de forma a criar condições para um ajuste relacional qualitativo, dando chance para a promoção e qualidade dos vínculos afetivos entre pais, mães e/ou cuidadores, e seus filhos.
A família, presente na educação intelectual e afetiva dos seus filhos, proporcionando uma orientação coerente, poderá formar cidadãos autônomos, livres e resilientes diante das adversidades, fortalecidos para superar com mais facilidade a resolução dos seus problemas e exercer de maneira plena a sua cidadania.
Fonte: Maria Aparecida e Sônia Urt